Messi no PSG: por que Catar é o grande beneficiado com chegada do craque argentino

Publicado em 11 de agosto de 2021

Há menos de uma semana, a maioria dos torcedores e profissionais de futebol acreditava que Lionel Messi continuaria no Barcelona. Agora é um novo jogador do PSG (Paris Saint-Germain).
A contratação de Messi é uma aquisição esportiva indiscutível para o PSG, que já tinha um time formidável com estrelas como Neymar, Kylian Mbappé, Ángel Di María, Sergio Ramos ou o goleiro Gianluigi Donnarumma, que venceu a Eurocopa com a Itália.
No papel, não há nenhum time na Europa que possa emular esse potencial no momento. No entanto, a chegada de Messi a Paris vai muito além do esporte.
Especialistas afirmam que essa contratação, talvez a mais importante e midiática da história moderna do esporte, faz parte de uma estratégia política e de imagem do Catar.
O PSG é propriedade da Qatar Sports Investment (QSi), uma subsidiária da Qatar Investment Authority, um fundo de investimento soberano cujo CEO é o emir do Catar Tamim bin Hamad Al Thani.
Os críticos dizem que o PSG é um time estatal apoiado pela riqueza do petróleo do Catar.
E várias organizações acusam o país de se esconder atrás de grandes investimentos em esportes, como sediar a próxima Copa do Mundo de Futebol em 2022, suas práticas contra os direitos humanos.
Mas como a assinatura de Messi se encaixa na imagem do pequeno país?

“Quase inevitável”
Depois de confirmar que Messi não continuaria no Barcelona, parecia claro que seu próximo destino seria Manchester City ou PSG.
Os rumores não só atendiam ao poder econômico avassalador de ambas as equipes, mas também à lógica de negócios que, no caso do PSG, ajudou a pesar na balança.
“Se você olhar para as conexões nos últimos anos entre Catar, Barcelona, Paris e Messi, essa assinatura foi quase inevitável. Só que os cataris nem acreditam que ela finalmente se materializou”, Simon Chadwick, professor de geopolítica econômica do esporte da EM Lyon Business School, na França.
O PSG destinou bilhões em contratações nos últimos anos com o claro objetivo de vencer a Champions League. Até agora sem sucesso. O mais perto que chegou foi a final em que perdeu em 2020 para o Bayern de Munique.
A contratação com maior cobertura da mídia até Messi foi a do brasileiro Neymar, por quem o clube parisiense pagou 220 milhões de euros ao Barcelona em 2017. Não tinha ocorrido transferência mais cara na história do futebol.

Ganhar a Champions League tornou-se uma obsessão para o PSG.
“O Catar quer que o PSG ganhe a Liga dos Campeões no ano que vem. Podem vencer em maio (2022) e em novembro o Catar recebe a Copa do Mundo. A marca nacional, o ‘soft power’ e os benefícios à reputação fazem parte da estratégia do Catar, “diz Chadwick.

A estratégia de “sportswashing”
Diversas organizações de direitos humanos, como a Human Rights Watch, denunciam a exploração de trabalhadores migrantes no Catar, fundamental para a construção de estádios modernos para a Copa do Mundo de 2022, além de leis que “continuam a discriminar mulheres, lésbicas, homossexuais, bissexuais e pessoas trans”.
Em março, a Amnistia Internacional escreveu uma carta à Federação Internacional de Futebol (Fifa) apelando a “medidas concretas e urgentes a serem tomadas para garantir que a competição deixe um legado positivo e duradouro para todos os trabalhadores migrantes no Catar e não conduza a mais abusos trabalhistas”.
Além dessas denúncias, há também alegações de suborno por representantes do Catar para obter votos de membros da Fifa.
Diante dessas denúncias, críticos acusam o Catar de tentar limpar sua imagem internacional por meio de uma estratégia conhecida como “sportswashing”, termo que, traduzido para o português, envolve “esporte” e “lavagem”.
“Em vez de falar sobre migração, condições trabalhistas e como o Catar trata sua comunidade LGBTQ, estamos falando de Lionel Messi, PSG e futebol. Uma interpretação de ‘sportswashing’ seria uma estratégia para distrair as pessoas e não falar sobre coisas mais importantes” , esclarece o professor Chadwick.
Em 2017, as autoridades do Catar aprovaram novas leis para melhorar os direitos dos trabalhadores após chegar a um acordo com a Organização Internacional do Trabalho das Nações Unidas.
Ainda assim, naquela época, uma declaração do governo explicava que essas reformas “levariam tempo, recursos e compromissos”.

Promoção institucional do time estatal
Para Chadwick, não há dúvidas: o PSG é um time estatal e “nem mesmo os cataris negam”.
“A propriedade do clube nas mãos do QSi está efetivamente associada ao fundo soberano do Catar. O presidente do QSi, Nasser al Khelaifi, é membro da família real do Catar e também preside o PSG.”
“O Catar não é uma democracia. A família real é o governo. Não há discussão: o Estado do Catar é dono do PSG”, acrescenta o especialista.
O emir Tamim bin Hamad Al Thani não é apenas o chefe de Estado, mas também partilha o Poder Executivo com o Conselho de Ministros que ele próprio nomeia por sugestão do primeiro-ministro.
Algo semelhante acontece com o inglês Manchester City, da empresa de private equity Abu Dhabi United Group, do xeque Mansour bin Zayed Al Nahayan, da família real do emirado de Abu Dhabi.
Ambas as equipes têm atuado no mercado de transferências nos últimos anos, pagam altos salários e têm recebido várias reclamações por supostamente não respeitarem as regras do fair play financeiro, que prevê limite de gastos para evitar o desequilíbrio competitivo.
Desde que o QSi assumiu o controle total do PSG em 2012, o clube não só investiu milhões de dólares, mas também viu sua posição institucional aumentar no futebol europeu.
Em 2019, Nasser al Khelaifi foi eleito pela Associação Europeia de Clubes (ECA) como delegado do comitê executivo da União Europeia das Associações de Futebol (UEFA), o órgão dirigente do futebol continental.
Dois anos depois, em 2021, Al Khelaifi tornou-se presidente da ECA depois que o polêmico projeto da Super Liga Europeia ameaçou as atuais estruturas do futebol como as conhecemos.

Catar 2030
Sobre se a estratégia do Catar de limpar sua imagem internacional está funcionando ou não, Chadwick, que é inglês, dá o exemplo da Premier League (a primeira divisão do futebol inglês).
“Em todo lugar que vou no mundo, as pessoas falam sobre a Premier League, mas ninguém me fala sobre a história colonial britânica e as coisas ruins que fizemos em todo o mundo. Podemos dizer que este é o primeiro caso de história de ‘sportswashing’ e que o Catar está fazendo a mesma coisa?”, diz o especialista.
“As pessoas ficam seduzidas, mas é importante não esquecer que o esporte é apenas um aspecto da vida. Da mesma forma, Messi e a Copa do Mundo, no Catar e em qualquer país, ajudam a causar efeitos positivos e mudanças”, afirma.
O país do Golfo está desenvolvendo um projeto chamado Visão Nacional do Catar 2030. Seu objetivo é se tornar “uma sociedade avançada capaz de sustentar seu desenvolvimento e proporcionar um alto padrão de vida para seu povo”.
Para o especialista, está claro que o país escolheu o esporte como uma base importante para sua estratégia de valorização da imagem.
“O que as pessoas na Europa vêem como ‘sportswashing’, no Catar eles veem como parte de sua estratégia de crescimento”, disse Chadwick.
Com a chegada de Messi a Paris, PSG e o Catar já chamam a atenção de todo o planeta.

Foto: Aurelien Meunier /PSG
G1

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