Temer faz estreia internacional em China pragmática mas ‘apreensiva’ com relações bilaterais

Publicado em 1 de setembro de 2016

Em meio a certa cautela internacional quanto ao processo de impeachment que derrubou o governo de Dilma Rousseff, o presidente Michel Temer, agora confirmado definitivamente no cargo, embarcou para a China, onde participará nos dias 4 e 5 de setembro do encontro do G20 – grupo das maiores economias do mundo.
É fácil entender sua pressa nos últimos dias para encerrar o julgamento. De um lado, a ocasião dá a Temer um palco de destaque para sua estreia internacional, já que estarão presentes no encontro os líderes mais importantes do mundo, como o presidente americano, Barack Obama, e a nova primeira-ministra britânica, Theresa May.
De outro, lhe garantirá uma recepção amigável do país anfitrião, já que a China, pragmática nas suas relações externas, está mais interessada em construir um bom relacionamento com o novo governo brasileiro do que em se preocupar com a legitimidade ou não do processo que lhe alçou ao poder.
Sob o comando do Partido Comunista desde 1949, o governo chinês não costuma interferir em questões de política interna de outros países. Mesmo antes de concluído o julgamento de Dilma, já estava cofirmado um encontro entre Temer e o presidente Xi Jinping, para 17h desta sexta-feira, em Hangzhou, cidade próxima a Xangai onde ocorrerá o G20.

Apreensão chinesa
Não que o processo de impeachment tenha sido visto com tranquilidade pelo governo chinês, acredita Evandro Menezes de Carvalho, professor de direito internacional da Fundação Getúlio Vargas, que visita com frequência o país.
Pelo contrário, a mudança causou apreensão, já que Pequim tinha construído uma boa relação com Brasília durante os governos petistas, inclusive com a criação dos Brics – grupo de grandes nações emergentes que reúne Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul – e o fortalecimento do G20, ainda no governo Lula.
No entanto, consumada a troca de governo no Brasil, o foco agora é reconstruir a boa relação, observa Carvalho. Ele, que já atuou como professor visitante na Fudan University, em Xangai, conta que tem sido constantemente questionado pelos chineses sobre o novo governo.
“Estive lá em agosto e era muito evidente por parte da academia e algumas pessoas de governo a curiosidade em saber qual vai ser o direcionamento da política externa de um eventual governo Temer”, disse à BBC Brasil, pouco antes de o Senado concluir o julgamento de Dilma.
“Eles estão preocupados em entender como se relacionar [com a nova administração]. Então essa é uma pergunta que me faziam muito: o Temer vem ou não vem? Vem com quem? Como são as pessoas? Do que eles gostam? Como a gente trata? Há uma preocupação de estabelecer um canal de diálogo, uma boa relação imediata, sem deixar que questões políticas-ideológicas interfiram na estratégia de relacionamento”, acrescentou.

Comitiva
Acompanham Temer na viagem o presidente do Senado, Renan Calheiros, e os ministros José Serra (Relações Exteriores), Henrique Meirelles (Fazenda), Blairo Maggi (Agricultura) e Maurício Quintella (Transportes).
Carvalho observa que a troca de governo através do impeachment acabou afetando as conversas nos últimos meses. Inclusive o Brasil teria sido pouco atuante nas reuniões preparatórias para o G20, já que ficou algumas semanas sem embaixador, devido à substituição de Roberto Jaguaribe por Marcos Caramuru.
“A mudança de governo, tal como está se dando, preocupou o governo chinês e de certo forma impactou nas relações. Eles já estavam acostumados, já tinham estabelecido a base de uma relação que perdurou quase 14 anos com governos do PT, onde teve de fato uma série de iniciativas, sobretudo nos anos Lula”, nota o professor.
Foi, por exemplo, já no segundo ano da administração petista, 2004, que houve a criação da Cosban (Comissão Sino-Brasileira de Alto Nível de Concertação e Cooperação), o que elevou a relação entre os dois países ao status de “parceria estratégica global”.
Carvalho nota que a China considera importante a relação com outros países emergentes e que não trata essas nações da mesma forma que as potências europeias e os Estados Unidos.
O governo chinês, inclusive, valoriza muito o G20 (em contraponto ao mais restrito G7) e fez pesados investimentos de infraestrutura para a realização da cúpula em Hangzhou. Com objetivo de reduzir a poluição e o trânsito, mandou fechar fábricas próximas da cidade e decretou feriado durante o evento.
“Existe uma questão geopolítica, uma apreensão chinesa, para entender bem como vai ser esse novo governo brasileiro na relação com os Estados Unidos. E se isso vai ou não afetar os interesses chineses”, observa o professor.
“É uma questão que parece estar subentendida nas perguntas que me fizeram bastante: se os negócios chineses vão ser prejudicados em função do que supostamente eles atribuem a uma proximidade maior do perfil do governo Temer com os Estados Unidos”, ressaltou.
Durante o G20, também estão previstos encontros bilaterais de Temer com os governantes de Itália e Espanha no dia 5. Reuniões com Árabia Saudita e Japão ainda estão sendo negociadas.
O presidente também se reunirá no dia 3 com o diretor-geral da Organização Mundial do Comércio, o brasileiro Roberto Azevêdo, que foi eleito para o cargo com apoio do governo Dilma.

‘Maior parceiro’
A China desde 2009 é o maior parceiro comercial do Brasil, comprando principalmente matérias-primas, como soja e minério de ferro, e nos vendendo produtos industrializados.
Dessa forma, o foco da conversa de quarenta minutos entre Temer e o Xi Jinping será a economia. O presidente brasileiro deve priorizar três temas:
Temer deve falar ao presidente chinês sobre as reformas que pretende implementar no país para promover o ajuste fiscal, assim como apresentar oportunidades de investimento dentro do plano de concessões que está sendo elaborado para a área de infraestrutura.
Há expectativa de que Xi Jinping convide Temer para retornar ainda este ano à China para uma visita de Estado. Nesse tipo de encontro, diferentemente da reunião durante o G20, o presidente iria com uma grande comitiva de ministros e empresários para uma série de encontro entre as autoridades dos dois países.
Da parte da China, há grande interesse em construir uma ferrovia transoceânica ligando o Atlântico e o Pacífico, através do Brasil e do Peru, para baratear seu comércio com a América Latina.
Gigantesco, o projeto ainda está longe de sair do papel. Devido à diferença de bitolas dos trilhos de Brasil e Peru, exigiria a construção de um enorme centro de conexão no meio da floresta amazônica, com relevante impacto ambiental.
G1

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