Sereis minhas testemunhas
Publicado em 3 de junho de 2016Estamos nos últimos dias do tempo pascal celebrando este VII Domingo da Páscoa, Solenidade da Ascensão do Senhor.
A Ascensão acontece há “quarenta dias” da Ressurreição nos Atos dos Apóstolos (cf. At 1,1-11), enquanto que no Evangelho (cf. Lc 24,46-53) tudo parece acontecer no mesmo dia da Páscoa. Isto não se opõe, mas quer-nos dizer que a Ascensão não implica um grau a mais ou um mistério distinto da Páscoa. É o mesmo que a Ressurreição, se esta se concebe como a “exaltação” de Jesus. São Lucas, autor dos dois textos, pretende simplesmente estabelecer um período determinado, simbólico, de “quarenta dias”, em que o Ressuscitado prepara os Apóstolos para a vinda do Espírito Santo.
É a história dos começos da Igreja, esses tempos fundacionais nos quais a mensagem cristã começa a proclamar-se como um ensinamento que haveria de transformar o mundo. Foram dias de intimidade amigável, cujas boas e inesquecíveis recordações irão suavizar as dificuldades do caminho a percorrer.
O próprio Jesus, referindo-se aos Apóstolos e a nós diz: “Recebereis o poder do Espírito Santo que descerá sobre vós, para serdes minhas testemunhas… até os confins da terra” (At 1,8). Nestas palavras finais de Jesus está o sentido fundamental da Ascensão: “sereis minhas testemunhas” é o convite a seguir o caminho do seu discipulado, entregando-nos à realização do seu projeto de salvação, tornando-o realidade.
Para São Lucas o projeto de salvação que Jesus veio apresentar passou, após a sua ida para junto do Pai, para as mãos dos seus discípulos, da sua Igreja, animada pelo seu Espírito. Dizem que o dia em que Jesus ascendeu, ali perto de Betânia, a Igreja se fez adulta. Abandonou a infância que tinha vivido junto a Jesus. A nós se nos há de ocorrer o mesmo. Temos de nos transformar em cristãos adultos. E esperar a chegada do Espírito Santo em Pentecostes “que nos ensinará tudo”.
Celebrar a Ascensão do Senhor significa tomar consciência dessa missão confiada aos discípulos e sentir-se também corresponsável pela presença dos chamados valores do “Reino”, na vida da humanidade. A Igreja de Jesus é, essencialmente, uma comunidade cuja missão é testemunhar no mundo a proposta de salvação e libertação que Jesus veio trazer a todos e que deixou nas mãos e no coração dos seus discípulos.
A Ascensão não é nenhum momento dramático, nem para Jesus, nem para seus discípulos. É como a despedida de um fundador, que sabe que sua obra, não terminará nele, que deixa aos seus discípulos a tarefa de continuar sua obra, mas não os deixa abandonados à sua própria sorte, acompanha passo a passo os altos e baixos de sua fundação no mundo através do seu Espírito.
“Sereis minhas testemunhas”. Isso não é uma tarefa fácil. Ventos sopram contra tudo que está relacionado com o Evangelho. Ao longo desta nossa história bimilenar nunca foi fácil cumprir esta missão: “testemunhar Cristo”. O mundo do século XXI se nos apresentam todos os dias aos cristãos, novos e enormes desafios. É um tremendo desafio testemunhar hoje os valores do “Reino”; valores que, muitas vezes, estão em contradição com aquilo que o mundo defende. Com frequência, os discípulos de Jesus são objeto de rejeição, incompreensão e perseguição.
A cultura de hoje ridiculariza a fé deixando a todos confusos e desorientados. No entanto, Jesus nos chama a sermos suas testemunhas. O confronto com o mundo e sua cultura gera muitas vezes nos discípulos: desilusão, sofrimento, frustração… Mas, para dissipar as suas preocupações, o Senhor lhes promete o Espírito Santo: “Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu” (Lc 24,49).
Para São Lucas a Ressurreição ou Ascensão do Senhor, não supõe um romper com o mundo, com a história ou com tudo o que foi compromisso de Jesus com os seus. A partir de agora serão os Apóstolos, aqueles que viram o Senhor e foram instruídos “pelo Espírito Santo”, as suas testemunhas.
Os apóstolos “voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus” (Lc 24,52.53). Hoje nos colocamos em atitude de espera do Domingo que vem, Pentecostes e nos preparamos para ser revestidos pela “força do Alto”. Com o Apóstolo Paulo louvamos e imploramos que: “O Deus de Nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai a quem pertence a glória, vos dê um espírito de sabedoria que vo-lo revele e faça verdadeiramente conhecer. Que ele abra o vosso coração à sua luz, para que saibais qual a esperança que o seu chamamento vos dá, qual a riqueza da glória que está na vossa herança com os santos, e que imenso poder ele exerceu em favor de nós que cremos.” (Ef 1,17-19)
As comunidades cristãs, hoje como outrora, têm a missão de continuar a anunciar a todos a Boa Nova que Jesus Cristo lhes comunicou, dando testemunho do Senhor, continuando a sua obra, tornando-o presente em todos os ambientes e lugares, por todos os meios ao seu alcance e, mais do que nunca lançando mão das novas tecnologias da comunicação, (internet, redes sociais e-mails, sms, chat), como nos lembra a Mensagem do Papa Francisco para este dia Mundial das Comunicações Socais: “Comunicação e Misericórdia: um encontro fecundo”.
Mais do que nunca, esta tarefa que o Senhor incumbiu todos os seus discípulos pode e deve ser difundida, através de todos os meios atuais postos ao nosso alcance. A Igreja não pode limitar-se a ficar confinada às paredes interiores dos templos de pedra, mas tem de sair do interior deles e manifestar-se, sobretudo através dos novos meios de comunicação. Jesus nos encarregou de tornar realidade o seu projeto libertador. Esta missão a que Ele nos chama é uma tarefa que não está terminada, é preciso concretizar na história e exige o empenho contínuo de todos.
Os cristãos somos convidados a redescobrir o nosso papel, no sentido de testemunhar, na fidelidade ao “caminho” que Jesus percorreu. É essa a atitude que tem marcado a caminhada histórica da Igreja? Ela tem sido fiel à missão que Jesus lhe confiou? O nosso testemunho tem transformado a realidade que nos rodeia? É este o papel da Igreja, é esta a prática que Jesus nos mandou realizar até que volte de novo. Ele deixava a terra, mas a salvação está em marcha. Aquelas pessoas e as que viriam logo depois seguiriam proclamando o Evangelho.
“Dito isto, foi elevado à vista deles, e uma nuvem o ocultou a seus olhos.” (At 1,9) Pode ir-se tranquilo, Jesus, porque sua Igreja, em meio às contradições deste mundo, e apesar das debilidades e misérias de seus filhos e filhas, lhe será sempre fiel, até que voltes, será uma Igreja “testemunha” ou “mártir” como a palavra significa.
Padre José Assis Pereira