Um pagão suscitou a admiração de Jesus
Publicado em 7 de junho de 2016“Senhor, eu não sou digno(a) de que entreis em minha morada, mas dizei uma palavra…” Essas palavras ficaram na tradição cristã como límpida expressão de fé e humildade cristã e por isso as repetimos antes da comunhão eucarística. É uma estranha coincidência! Pois quem as pronunciou foi um “não cristão”. Vamos conhecê-lo!
Lucas nos fala no seu evangelho (cf. Lc 7,1-10) da ação de Jesus em favor de um pagão. Retornando à cidade de Cafarnaum, ao seu redor o povo se reúne para escutar a sua Palavra e ali Jesus fica sabendo a necessidade de um estrangeiro, um pagão, um centurião: “ele tinha um empregado a quem estimava muito, e que estava doente, à beira da morte” (v.2).
Este centurião, ao que a narração nos permite conhecer cada vez um pouco melhor, se mostra como uma pessoa boa, um homem extraordinário. Já sua boa relação com o empregado e seu interesse por ele chamam a atenção.
O mesmo se pode afirmar de sua relação com os judeus de Cafarnaum e de seu comportamento frente a Jesus. A admiração de Jesus ao final e o que disse sobre sua fé o põe como a única pessoa que no evangelho de Lucas suscita o elogio de Jesus: “Eu vos digo que nem mesmo em Israel encontrei tamanha fé” (v.9).
“O oficial ouviu falar de Jesus” (v.3), de sua presença em Cafarnaum, quer ajudar a seu empregado gravemente enfermo. Confia no poder de Jesus. Pede ajuda aos anciãos dos judeus. Eles apoiaram espontaneamente o pedido e se encarregaram de que Jesus conhecesse mais de perto o centurião. Ele ajudou a construir a sinagoga de Cafarnaum, onde Jesus tinha estado ensinando. É um pagão, um pecador, pertence ao grupo dos inimigos, mas tem grande simpatia pelo povo de Israel, ao ponto de ser um benfeitor.
Tudo parece discorrer com normalidade, como estamos acostumados em outras obras prodigiosas de Jesus. Ele acolhe o pedido dos anciãos e se põe a caminho até a casa do centurião. Está está disposto a ajudá-lo; não tem medo de entrar na casa de um pagão. “Deus não faz discriminação de pessoas, mas quem o teme e pratica a justiça, lhe é agradável” (At 10,34), diz o Apóstolo Pedro a outro pagão, o centurião Cornélio.
Quando Jesus está perto da casa do centurião, um segundo grupo de mensageiros sai a seu encontro. O soldado parece ter refletido mais seriamente sobre sua condição e sobre o poder de Jesus, e manda que se lhe diga: “Senhor, não te incomodes, pois não sou digno de que entres em minha casa. Nem mesmo me achei digno de ir pessoalmente ao teu encontro. Mas ordena com a tua palavra, e o meu empregado
ficará curado”(v. 6-7). Estas palavras refletem a sua grande humildade e fé no poder de Jesus.
O centurião goza de uma posição relevante e é um homem estimado, mas se considera indigno de receber a Jesus em sua casa. Talvez por sua condição de pagão. Mas esta condição era já previamente conhecida por ele mesmo, pelos anciãos dos judeus e pelo próprio Jesus, sem que houvesse suscitado nenhuma objeção.
O poder de Jesus não é algo diverso do próprio Jesus, mas sim, pertence a sua pessoa. Junto ao poder de Jesus, o centurião percebeu algo da dignidade da pessoa de Jesus e intuiu nela a presença de Deus. Efetivamente este poder é sobrehumano. O temor e a reverência ante a pessoa de Jesus são o que fazem ao centurião reconhecer sua própria indignidade.
Portanto, o verdadeiro motivo da inutilidade de que Jesus chegue até a sua casa: “Senhor, não te incomodes” (v. 6) está na profunda compreensão do poder e da dignidade de Jesus. O centurião conheceu que o poder de Jesus é ilimitado e que Ele não necessita chegar perto do enfermo, porque basta sua palavra. Ele está convencido de que Jesus pode dar ordens a seus soldados e a seus empregados. O poder de Jesus é tão grande que basta a sua vontade e sua palavra para que aconteça o que Ele ordena.
Diante desse exemplo de fé e humildade do centurião às vezes exclamamos: “Ah! Se eu tivesse essa fé!” Por que não alcançamos esse nível, nós que conhecemos muito melhor o amor e o poder de Jesus, que este “não cristão”? Que cada um dê a si próprio a resposta… Precisamos de uma margem de confiança em Deus, em Jesus Cristo, sua imagem pessoal, e aceitar o claro-escuro da fé sem ceder à psicose de segurança palpável que gera mecanismos de magia. Porque se torna tão difícil para as pessoas acreditar, confiar em Deus e entregar-se a Ele? Acredito que é que não pode haver fé verdadeira sem uma profunda humildade.
Finalmente, a fé do centurião é o motivo da admiração de Jesus. Deus concedeu a este pagão a capacidade de intuir o poder e a pessoa de Jesus, o qual lhe leva a tratá-lo com o máximo respeito. Fica eboçada aqui a atuação da graça de Deus nos pagãos e fica delineado igualmente o caminho e a missão dos apóstolos de Jesus para além das fronteiras do povo de Israel.
A fé deste soldado, cujo amor por um empregado doente tinha conduzido-o aos pés de Jesus nos interpela. Somos chamados, juntamente com a Igreja do nosso tempo, a passar da “manutenção da missão” a comprometidos em “anunciar o Evangelho da alegria num mundo em mudança”. O Pai pensou e quis todos os homens e mulheres como seus filhos e filhas reunidos numa só família.
O Espírito de Jesus atua misterioramente no coração de cada um. Se existem pessoas diferentes e afasstadas, isto pertence só ao nosso ponto de vista mesquinho. A Palavra de Deus conduz-nos para todas as direções. O elogio feito por Jesus ao centurião pagão, acaso não é para nós um convite a reconhecermos e descobrirmos os valores presentes em pessoas que pertencem a áreas desconhecidas, a olharmos todos com os olhos e o coração de Deus?
O Senhor nos pede um olhar e um pensamento postitivos, uma abertura às “surpresas”, ao “novo” das pessoas de outros grupos religiosos ou não-cristãs. Como nos ensina o Papa Francisco na exortação apostólica “Alegria do Evangelho”:
“Uma atitude de abertura na verdade e no amor deve caracterizar o diálogo com os crentes das religiões não-cristãs… este diálogo inter-religioso é um dever para os cristãos e também para outras comunidades religiosas. Este diálogo é, em primeiro lugar, uma conversa sobre a vida humana ou simplesmente estar aberto a eles, compartilhando as suas alegrias e penas. Assim aprendemos a aceitar os outros, na sua maneira diferente de ser, de pensar e de se exprimir…
Neste diálogo sempre amável e cordial, nunca se deve descuidar o vinculo essencial entre diálogo e anúncio, que leva a Igreja a manter e intensificar as relações com os não-cristãos… Os não-cristãos fiéis à sua consciência podem, por gratuita inicicativa divina, viver justificados por meio da graça de Deus e, assim, associados ao mistério pascal de Jesus Cristo”. (cf. Evangelii Gaudium n. 250-251.274)
*Padre José Assis