O amor e a misericórdia geram vida nova
Publicado em 26 de junho de 2016O evangelho deste Domingo (cf. Lc 7,30-8,3) é um verdadeiro “hino à misericórdia de Deus”. São Lucas coloca diante dos nossos olhos “uma mulher”, definida desde o inicio da sua narração como “pecadora” e que vem chorar aos pés de Jesus. Ele dá a entender que o amor da mulher resulta de ter experimentado a misericórdia de Deus.
O dom gratuito do perdão gera o amor e vida nova, por isso aquela mulher sai da presença de Jesus convertida, transformada em outra pessoa. Ela pode dizer a todos o que dizia o Apóstolo Paulo: “Fiel é esta palavra e digna de aceitação: Cristo Jesus veio ao mundo para salvar os pecadores; dos quais eu sou o primeiro” (1Tm 1,15). Quem dera todos pudéssemos dizer o mesmo.
A “mulher pecadora” se apresenta a Jesus em um banquete na casa de Simão, o fariseu. Ele representa aqueles zelosos defensores da Lei que evitavam qualquer contato com os pecadores e que achavam que o próprio Deus não podia acolher nem deixar-se tocar pelos transgressores da Lei e da moral. Jesus vai fazê-lo entender que só o amor e a misericórdia podem gerar conversão e vida nova. Jesus vai mostrar a Simão que não é marginalizando e segregando que se pode obter uma nova atitude do pecador; mas que é amando e acolhendo que se podem transformar os corações e despertar neles o amor.
À vista de todos os convidados a “pecadora” conhecida na cidade, sem ser convidada, entra na sala, dirige-se diretamente aos pés de Jesus, banhando-os com suas lágrimas. Não diz nada. Está comovida. Não sabe como expressar sua alegria e agradecimento pela acolhida do Mestre; prescindindo dos olhares de todos os presentes, está acostumada a ser desprezada, solta os seus cabelos e com eles enxuga os pés do Senhor, beija-os e abrindo o pequeno frasco de perfume que carregava em seu colo, os unge com um perfume precioso. Jesus, por sua vez, não se sente molestado por ela. Não a rejeita nem a expulsa e aceita os gestos de seu amor. Seu comportamento é tão incomum como o da mulher.
O dono da casa tentando se explicar, pensa que Jesus não sabe quem é aquela mulher: “Se este homem fosse profeta, saberia bem quem é a mulher que o toca, porque é uma pecadora!” (v. 39); ele a despreza como “persona non grata” e desgraçada, julgando-a e humilhando-a, pois ela pode contaminar a pureza dos comensais e estragar o banquete. Jesus, ao contrário, vê no comportamento dessa mulher impura e pecadora o sinal palpável do perdão e da misericórdia de Deus.
Ante aquela cena embaraçosa, Jesus mostra ao fariseu que conhece seus pensamentos, mas que é um profeta e que através dele, se faz de fato presente e se pode experimentar o amor de um Deus que perdoa e propõe uma breve parábola: “Certo credor tinha dois devedores; um lhe devia quinhentas moedas de prata, o outro cinquenta. Como não tivessem com que pagar, homem perdoou os dois. Qual deles o amará mais? Simão respondeu: Acho que é aquele ao qual perdoou mais. Jesus lhe disse: Tu julgas-te corretamente” (vv. 41-43).
O fariseu vê só o pecador e sua culpa. Jesus não nega em absoluto a culpa, mas rompe o circulo que circunda, isola e segrega o pecador junto com a sua culpa. Dirige a atenção e o seu olhar sobre a grandeza da culpa e do perdão e a grandeza ainda maior do amor, do reconhecimento e gratidão da pessoa perdoada.
O comportamento de Jesus com a pecadora está em harmonia com o que Deus faz e é ao mesmo tempo um sinal poderoso da bondade de Deus, que não deixa o pecador no isolamento, só com seu pecado, mas sim lhe perdoa, lhe consente viver em comunhão e lhe faz possível o amor e a gratuidade: “Os muitos pecados que ela cometeu estão perdoados porque ela mostrou muito amor. Aquele a quem se perdoa pouco mostra pouco amor.” (v. 47)
Aquela mulher havia demonstrado sua confiança em relação a Jesus. Não se fechou no desespero. Não disse: “também ele me rejeitará, como todos os outros; nada tem mais sentido; eu permanecerei para sempre presa a minha culpa”. Não, ela foi até Jesus à vista de todos. Teve a coragem de demonstrar seu amor. Esta confiança fez que Jesus lhe acolhesse e lhe dissesse: “Teus pecados estão perdoados.” (v. 48)Deus está disposto a tudo perdoar. Não há culpa alguma que esteja excluída de seu perdão. Mas devemos abri-nos a seu perdão. Devemos e podemos crer que Ele não nos rejeita, mas sim nos perdoa. Mas a disposição de Deus para perdoar-nos não depende de nossa confiança.
O perdão não resulta do muito amor manifestado pela mulher, mas o muito amor da mulher é o resultado da atitude de misericórdia de Jesus: o amor manifestado pela mulher nasce de um coração agradecido de alguém que não se sentiu excluído nem marginalizado, mas que, nos gestos de acolhimento de Jesus, tomou consciência da bondade e da misericórdia de Deus.
Saímos hoje desta liturgia dominical envolvidos num suave perfume. Pois nos sentimos aceitos por Deus, não por nossos méritos, mas sim pela grande bondade do Pai das misericórdias.
Não será o Deus da misericórdia a melhor notícia que podemos escutar? “Ser misericordiosos como o Pai do céu”, não será isto o que nos pode libertar da falta de piedade e até da crueldade de nossos julgamentos? E se todos os homens e mulheres vivem do perdão e da misericórdia de Deus, não terá que introduzir uma nova ordem de coisas onde a compaixão já não seja uma exceção, mas sim, uma regra e um comportamento dos que se reconhecem filhos e filhas de Deus?
A mulher pecadora é a imagem da Igreja, de todos nós. Ela quer entrar na casa que é a comunidade cristã e ali espera encontrar amor e salvação. Será que ela ao entrar vai encontrar misericórdia e amor?
A Igreja deve ser o lugar onde as pessoas encontram paz e salvação. Temos que revisar, à luz do comportamento de Jesus, como tratamos os excluídos da sociedade e os moralmente fracassados, cujos problemas, sofrimentos e lutas preferimos quase sempre ignorar e silenciar no seio da Igreja como se para nós não existissem. Que testemunho de amor e de misericórdia encontram essas pessoas e grupos em nossas comunidades cristãs?
Também devemos questionar nossa atitude diante dos casos de violência em nossa sociedade, pois frequentemente fala-se, entre nós, no agravamento das penas previstas para quem infringe as regras sociais, bradando tantas vezes a pena de morte, como se estivesse aí a solução mágica para a mudança de comportamentos.
A vingança, a exclusão e a marginalização não geram vida nova; só o amor, a justiça e a misericórdia interpelam o coração, provocam uma resposta de amor e conduzem à vida nova.
Padre José Assis Pereira