Servidores como o nosso Mestre

Publicado em 26 de outubro de 2015

O Evangelho (cf. Mc 10,35-45) traz a mais importante afirmativa de Jesus sobre si mesmo: “O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”. Esta afirmação contém uma síntese de toda cristologia. Jesus veio ao mundo para servir e assim se identifica com a misteriosa figura de “Servo sofredor” apresentada pelo profeta Isaías.
“O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura, e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor.” (cf. Is 53,10-11) O Senhor quis triturá-lo. O quis Deus, o Pai Eterno, o Infinitamente Bom. O quis. Triturar, o Filho, o Verbo feito carne, o Deus mesmo feito homem. Mistério que nos assombra e confunde. Mistério que supera nossas possibilidades de compreensão.
Jesus foi experimentado no sofrimento. O autor da carta aos Hebreus diz: “Embora fosse Filho, aprendeu, contudo, a obediência pelo sofrimento” (Hb 5,8). Não procurou se esquivar ao sofrimento da humanidade, mas expôs-se a suas enfermidades e miséria. Não se esquivou ao seu próprio sofrimento, percorreu todas as situações humanas de sofrimento: Solidão, abandono, condenação, rejeição, ofensas, crucificação. O ponto alto do sofrimento de Jesus, foi a morte. Naquele momento, Ele estava suspenso na cruz, sob os olhares e o desprezo de seus adversários, abandonado pelos amigos.
A experiência do sofrimento de Jesus foi, para os primeiros cristãos, algo que lhes trouxe consolo e coragem. Deu-lhes força para suportá-lo em um mundo que lhes era hostil. Jesus, experimentado no sofrimento, não seduziu os primeiros cristãos a um comportamento masoquista. Pelo contrário, fortaleceu-os para que assumissem a si próprios e a sua fé, mesmo quando perseguidos. Com os olhos voltados para o Jesus sofredor, conseguiram manter sua dignidade como pessoas humanas, mesmo quando o mundo hostil tentou tirá-la deles.
Jesus de Nazaré, que passou pelo sofrimento e a morte assume as nossas dores e misérias com o fim de curá-las. É, definitivamente, essa ideia de solidariedade com a humanidade sofredora que contemplamos na Cruz de Jesus. Pensar que Deus enviou seu Filho ao mundo para sofrer ou que Ele queria sofrer seria uma concepção do cristianismo fora da chave da misericórdia de um Deus-Amor que não cobra resgate com a vida de seu Filho, mas sim o oferece como dom gratuito de seu amor.
Enquanto Jesus faz mais uma vez o anúncio de sua morte, os apóstolos pensam que o Messias está indo para Jerusalém conquistar o poder e instalar seu reino, Tiago e João lhes faz um pedido: “Mestre, deixa-nos sentar um à tua direita e outro à tua esquerda, quando estiveres na tua glória”. (cf. Mc 10,35-37)
Quando Jesus chamou os apóstolos, estes não sabiam muito bem as condições de seu seguimento. Decidiram estar com Ele movidos, porém por motivos humanos, de busca de prestigio e poder. Viam em Jesus um homem especial que podia tirá-los da miséria em que viviam. Por isso Tiago e João tomam a dianteira dos seus colegas e numa competição desleal, pedem a Jesus os primeiros postos no reino, que imaginam terreno. Fazem seu pedido a Jesus a partir dos modelos habituais do poder. Querem se destacar, estar por cima dos demais.
O “fisiologismo” dos dois apóstolos é escandaloso. Eles não entenderam nada do que Jesus estava por fazer, enquanto Ele se preparava para o sofrimento da cruz, eles, pensam na ambição do poder. Mas, este pedido dos filhos de Zebedeu manifesta uma tendência muito humana, ou uma “doença” que não existe só, por assim dizer, na famosa Cúria Romana, mas também entre nós, muito perto de nós, quem sabe até em nós mesmos: o desfile de egos, narcisismo, exibicionismo, oportunismo, carreirismo; a indiferença para com os outros, o desejo de dominar, de estar acima dos demais.
O desconcerto que posteriormente sentiram os discípulos assemelha-se ao que sentimos nós, cristãos de hoje, quando ainda não compreendemos a mensagem de Jesus e as repercussões que têm para o momento atual de nossa Igreja e de nossa vida de fé. Certamente, a atitude dos discípulos é passível de critica, não porque estejam pensando nos privilégios de um reino messiânico de caráter temporal, mas sim porque esqueceram que a revelação em Jerusalém passa pelo caminho da cruz.
Desde que nascemos, nascemos já com um impulso primário: queremos ser os primeiros e que os outros vivam para nós. Assim o quer a criança, o jovem, o avô, ainda que de maneira distinta, assim o quer a pessoa adulta; assim o queremos todos. O quer o político, o empresário, o escritor… Assim o queriam, podemos deduzir pelo contexto, todos os discípulos de Jesus.
O Mestre, disse aos seus discípulos três coisas: primeiro, que se querem ser os primeiros têm que estar dispostos a sofrer, a beber o cálice do batismo, quer dizer, do martírio; segundo, que devem querer ser os primeiros, não no mandar, mas sim no servir; terceiro, que o sentar-se à direita ou a sua esquerda é coisa divina. (cf. Mc 10,38-40) Traduzindo para nossa situação pessoal e concreta, devemos agora perguntar-nos também três coisas: queremos de verdade ser os primeiros para servir e não para mandar?; Estamos dispostos a sofrer tudo para conseguir ser os primeiros servidores dos outros?; Somos capazes de aceitar com humildade que seja Deus o que julgue nosso comportamento?
Façamos um sincero exame de consciência sobre estes três pontos, dentro da própria família, no trabalho, em nossas relações sociais, no mais intimo de nosso coração, de nossa consciência.
A aspiração de seus discípulos, para Jesus não há de ser o poder sobre os outros, mas sim o serviço aos outros. À “vontade de poder” Jesus opõe a “vontade de serviço”. Quando a Igreja se aparta de uma estrutura fraternal e, adaptando-se às estruturas deste mundo, se converte em um instrumento de poder com hierarquias e escalões. Afasta-se da vontade de Jesus, pois Ele não veio ao mundo para viver como um senhor, mas sim para morrer como um escravo.
Do ponto de vista de Cristo, não existem, na sua comunidade, senhores e servos, superiores e inferiores, chefes e subordinados, níveis distintos de honra e dignidade. Quem tem uma responsabilidade maior tem um serviço maior e tem que se destacar pelo serviço.
Devemos ser servidores como o foi Jesus, o Filho do Homem, que não veio para ser servido. Estas palavras nos convidam a deixar-nos questionar e a não adoçar o Evangelho que, mesmo sendo uma “Boa Notícia”, não deixa por isso de comportar dor, renúncia e sofrimento. Não é um chamado ao pessimismo, mas sim a assumir os riscos de uma missão que sempre encontrará resistência, dada nossa inclinação a fechar-nos em nós mesmos e não empreender o caminho para o horizonte de plenitude que, na pessoa de Jesus, “o Servo Sofredor” se nos mostrou para sempre na história.
Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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