O ensinamento da figueira
Publicado em 23 de novembro de 2015O tom das leituras bíblicas desses últimos dias do ano, sobretudo dos últimos domingos comuns orienta o nosso olhar cada vez mais para a escatologia, isto é, para o sentido e o destino final da história humana.
Hoje nos encontramos diante de um discurso escatológico no Evangelho de São Marcos (cf. Mc 13,24-32). Jesus dá-nos algumas indicações preciosas sobre como se deve viver a fé na parusia (o regresso glorioso no fim dos tempos) do Senhor neste nosso tempo intermédio.
Os primeiros cristãos perseguidos implacavelmente e vendo a destruição de Jerusalém no ano 70 lembraram-se com amor e com fé das palavras de Jesus sobre quando acontecerá o final e qual será o sinal: ”Ao sair do Templo, um dos discípulos disse a Jesus: Mestre, vê que pedras e que construções! Disse-lhe Jesus: Vês estas grandes construções? Não ficará pedra sobre pedra que não seja demolida… Pedro, Tiago, João e André lhe perguntaram: Dize-nos quando será isso e qual o sinal de que todas essas coisas estarão para acontecer?” (cf. Mc 13,1-4) A reposta a partir do relado de São Marcos possui uma dupla perspectiva, de futuro e de presente.
Antes de tudo temos que entender que enquanto para nós associamos ao “fim do mundo” uma ideia de destruição, de aniquilação, na linguagem bíblica, o “fim” é a “finalidade”, a meta pela qual se luta; a felicidade que se busca e nunca se encontra.
Na perspectiva de futuro, o ensinamento de Jesus assume as imagens da apocalíptica judaica do chamado “dia do Senhor” (Mt 24). Esta linguagem praticamente incompreensível para nós, porque não estamos muito familiarizados, pode nos atrapalhar e atemorizar muito… Mas para responder sobre o “final dos tempos” e a preocupação pelo futuro, Marcos reconduz a atenção ao presente.
Ante as grandes perguntas, que costumam apresentar-se inesperada e simultaneamente nos momentos mais difíceis, de guerras, catástrofes naturais, pandemias ou crises que experimentamos, não poucas vezes, perdemos o caminho, a rota com que orientar-nos. É oportuno reconhecer, que às vezes, a vida mesma parece deter-se em uma espécie de “choque cósmico” — o sol se apagará, a lua deixará de brilhar, as estrelas cairão do céu, etc. —, causando-nos desconcerto, dor e, sobretudo, um temor que rouba toda esperança.
As palavras de Jesus para os seus discípulos não são de terror, mas ao contrário. Precisamente, nesses dias, nos diz: “verão o Filho do Homem, que vem reunir os seus eleitos de uma extremidade à outra da terra”, isto é nós! (cf. Mc 13,26-27)
“Aprendei, pois, da figueira está parábola; quando seus ramos ficam verdes e as folhas começam a brotar, sabeis que o verão está perto. Assim também, quando virdes acontecer essas coisas, ficai sabendo que o Filho do Homem está próximo, às portas.” (Mc 13,28-29)
Interessante no mundo religioso a imagem da figueira! Tinha uma especial importância na fé da Índia antiga; era tida como a árvore do universo que se enraizava no céu; o deus Vishnu era ele próprio identificado com a figueira. Segundo se presume, Buda recebeu a iluminação debaixo da figueira.
A figueira é uma das árvores mais comuns da Palestina e seu fruto é muito apreciado. Na Bíblia ela é abundantemente citada. No começo, quando a humanidade se sentiu nua e exposta em sua máxima fragilidade, a figueira, como dom de Deus, proporcionou “abrigo e proteção”. Assim no-lo mostra o relato de Adão e Eva (cf. Gn 3,7) que, ao utilizar as folhas desta planta, souberam descobrir, tateando, o Deus que nos abriga, ainda quando somos pecadores. Santo Agostinho, vê na figueira e na sua folha um sinal da graça misericordiosa de Deus: “Assim como morremos por uma árvore, também por uma árvore fomos revivificados; uma árvore nos vestiu com folhas da misericórdia”.
O livro oriental cristão sobre Adão narra que os primeiros pais expulsos receberam do querubim figos do paraíso – uma referência à graça de Deus. Vários Padres da Igreja, como, por exemplo, Jerônimo, interpretam o fruto da figueira como símbolo do Espírito Santo.
Por outro lado, os mestres judeus, em especial na Palestina, mediram com esta árvore as estações do ano. Sempre que o frio do inverno ameaçou a continuidade da vida, a figueira foi um sinal inconfundível da proximidade do “verão”, isto é, novo começo, possibilidade de frutos, colheita abundante e alegre festa.
Jesus, com a figueira, treina nosso olhar para um profundo discernimento: “aprendei”. Quando a vida se apresenta com dores de parto, quando a história parece ficar à mercê de forças desumanas ou calamitosas, não há motivos para o desespero. Ali está o Filho do Homem que, com sua “proteção amorosa”, nos anuncia um novo “verão” para nossa vida. Ou para nossa cultura do semi-árido um “bom inverno” virá, com chuvas abundantes e colheitas fartas.
Mas há mais. Jesus não só promete, mas sim nos anuncia já uma boa notícia: Ele está perto, à porta. A imagem do Apocalipse nos ajuda a aprofundar o sentido de Sua presença no umbral da própria vida: “Eis que estou à porta e bato: Se alguém ouvir minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa, e cearei com ele, e ele comigo” (Ap. 3,20). Portanto, mais importante que andar fazendo cálculos sobre o fim do mundo, ou especulações premonitórias identificando nas crises da história humana a realização dos sinais precursores do fim do mundo. É permanecer fieis no seu seguimento, para o qual possuímos as palavras inconfundíveis de Jesus: “O céu e a terra passarão, mas as minhas palavras não passarão.” (cf. Mc 13,31)
Além disso, Ele nos assegura sua companhia ao longo de todo o caminho. A partir disso afiançamos nossa confiança em que Deus, nosso Pai, tem sido e é Senhor da história, e estará na fase final dos tempos, depois de todas as violências, todas as destruições, de todos os extermínios. Sobre as cinzas da morte, Deus terá uma realidade totalmente nova, os novos céus e a nova terra.
Esperar, com confiança, a chegada desse mundo novo e perceber, nos sinais de desagregação do mundo velho, o anúncio de que o tempo da sua libertação está chegando essa é a missão dos cristãos. Certos da vinda do Senhor, atentos aos sinais que o anunciam, os cristãos podemos preparar o mundo para acolhê-lo, para aceitar os desafios que Ele traz.
Não há uma data marcada para o advento dessa nova realidade. De uma coisa, no entanto, podemos estar certos: as Palavras de Jesus são a garantia de que esse mundo novo, de vida plena e de felicidade sem fim, irá surgir, está permanentemente a fazer-se e depende do nosso testemunho de esperança.
Padre José Assis Pereira