Cristo Rei

Publicado em 6 de dezembro de 2015

Percorremos um longo caminho de 53 semanas conduzido pelo Espírito Santo. Durante esses meses acolhemos a Palavra de Deus e compartilhamos no altar a Eucaristia.
Celebramos a encarnação do Verbo, no ciclo do Advento e Natal; celebramos o imenso amor de Jesus na sua Paixão e Morte no ciclo da Quaresma; a gloriosa Ressurreição e Ascensão aos Céus, seguida da vinda do Espírito Santo, no tempo da Páscoa; Assistimos emocionados, na cadencia semanal aos encontros e desencontros de Jesus com mestres da lei e fariseus. Vimos como Ele revela a face de um Deus que acolhe e salva os pecadores, cura os enfermos, abre os olhos dos cegos, ressuscita mortos e alimenta famintos; Longa caminhada que nos levará aos Céus, no seguimento de Jesus Cristo, no Tempo Comum.
Chegamos ao final de mais um Ano Litúrgico, este imenso arco que percorremos que tem em Jesus, no seu Mistério Pascal a chave que interpreta o tempo e a história e a tudo dá sentido. Cristo é o Senhor da história. Ele iniciou a história (alfa) e a culminará (omega), quer dizer que o poder de Deus tudo abarca no tempo; o passado, o presente e o futuro, “ontem, hoje e sempre”, e no espaço como Senhor do Universo. Jesus é assim a garantia definitiva de nossa fé. Nele podemos ver Deus.
Com a solenidade de nosso Senhor Jesus Cristo Rei do Universo, coroamos o Ano Litúrgico. Tudo o que aconteceu em nossa Igreja e em nossa vida pessoal centrada no Mistério Pascal de Cristo. Se assim caminhamos, não será difícil entender, assimilar e celebrar hoje esta solenidade litúrgica.
No Antigo Testamento, “rei” é um termo que se atribui frequentemente a Deus: “O Senhor é rei, vestido de majestade, o Senhor está vestido, envolto em poder. Sim, o mundo está firme, jamais tremerá.” (Sl 93,1) Ele é rei de todos os outros reis. Como se observa, o salmista apresenta Deus segundo as ideias e os traços dos que reinavam naquele tempo. Mas fazia uma distinção entre o Senhor e um rei profano.
O evangelho deixa claro em que consiste a realeza de Jesus (cf. Jo 18, 33b-37). Toda a missão de Jesus e o conteúdo da sua mensagem consistem em anunciar o Reino de Deus e em realizá-lo no meio da humanidade com sinais e prodígios.
O autor do quarto evangelho nos transporta ao mistério da Paixão e Morte do Senhor, ao julgamento diante de Pilatos. No interrogatório, o ponto de discussão é o título “rei dos judeus”. Diante do representante do poder romano, o próprio Jesus define a natureza de sua realeza e de seu poder com a expressão: “O meu reino não é deste mundo… o meu reino não é daqui” (v.36) sugerindo assim uma origem que não é terrena. Parece evidente que não podemos entender a palavra “reino” no sentido político e social como quando a usamos para nos referir a alguns dos reinos que houve ou ainda existem atualmente em nosso mundo.
Jesus não manda, nem política, nem militarmente, como mandaram antes, nem como mandam agora os reis e governantes do mundo. Nem tem poderes militares, nem dá ordens política e socialmente. O Reino de Deus é um reino espiritual e Ele quer ser rei de nossos corações.
Há uma tendência expressa na maior parte dos comentários da solenidade de hoje a não confundir religião e política. Daí que, às vezes, a noção do Reino de Cristo e de sua realeza fique amortizada por um excesso de espiritualização. Quando na realidade o Reino de Deus já começou, com maior ou menor intensidade a ser construído também em nosso mundo, há já 2015 anos. Algo semelhante passa-se com as bem-aventuranças, que ante a dificuldade em sua aplicação, também nessa nossa sociedade, preferimos dizer que é algo só alcançável na vida futura.
É verdade que Jesus, diante de Pilatos, reconhece que seu Reino procede do alto, mas isso não quer dizer que não está já aqui. E o que celebramos neste último Domingo do Tempo Comum não é outra coisa que a existência desse Reino de paz e de amor e a confirmação de Jesus como o Rei desse Reino. E, igualmente, se o Reino de Cristo na terra estivesse mais estendido e fosse mais perceptível em comparação com os habituais reinos da terra não teríamos medo, os cristãos, que nos confundissem com qualquer má definição de religião e política.
Pilatos e Jesus representam duas concepções contrapostas da realeza e do poder. Pilatos não pode conceber outro rei que um homem com poder absoluto, como o imperador romano Tibério ou pelo menos com poder limitado a um território como Herodes o Grande. Jesus, no entanto, fala de um Reino que não é deste mundo, quer dizer, não provém do mundo das pessoas, de suas relações ou conchavos do poder, mas sim, emana de Deus.
Pilatos pensa em um reino que se funda sobre um poder que se impõe pela força do exército, enquanto que Jesus tem em mente um Reino imposto pela força da verdade e do amor. Pilatos não pode conceber de nenhuma maneira um rei que é condenado à morte por seus súditos sem opor resistência, e Jesus está convencido de que sobre o madeiro da cruz vai instaurar de modo definitivo e perfeito seu misterioso Reino.
Dois reinos ou duas concepções do poder inteiramente opostas. Depois de dois mil anos deste histórico encontro entre Jesus e Pilatos, não é a concepção de Jesus Cristo a única que passou no teste da história? Pilatos, Tibério, Herodes, o império Romano, o império das Índias, o terceiro Reich, o império comunista, todos passaram, mas o reinado de Jesus permanece.
Para entrar neste Reino de Cristo é preciso converter-se, mudar de mentalidade, crer em sua Palavra, crer em sua pessoa, segui-lo. Suas parábolas e ensinamentos se referiam ao Reino; seus milagres atestaram que o Reino de Deus se fazia presente. Ante aqueles que esperavam sua chegada de modo triunfal sobre os dominadores romanos com a intervenção de um messias político, Jesus afirmava que o Reino de Deus não vem ostensivamente. Ele falou do inicio real deste Reino debaixo das aparências humildes e insignificantes de uma semente de mostarda, ou duma pitada de fermento, ou ainda como o crescimento misterioso da semente que cai na terra, se transforma silenciosamente e escapa ao nosso controle o seu crescimento.
O sentido profundo dos milagres realizados por Jesus será, justamente, indicar que o poder de Deus já está abrindo caminho. A misericórdia para com os pecadores, a restituição da saúde aos enfermos, a devolução da dignidade e a liberdade aos oprimidos, e o dar de comer aos famintos, são sinais reais da irrupção desse reinado de Deus na história humana.
Jesus Cristo não só é rei, como também “faz de nós um reino de sacerdotes para seu Deus e Pai.” A Igreja, comunidade dos que seguimos a Jesus, é chamada a antecipar a vinda do Reino de Deus e como nos diz o Concílio Vaticano II a ser “germe e princípio deste Reino.” (Lumen Gentium 5) Está chamada a continuar seu anúncio e a fazê-lo presente da maneira que o fez Jesus: mediante o serviço coerente e humilde, e a partir daquele não-poder manifestado na Cruz.
A festa de hoje, ao mesmo tempo em que celebra a soberania universal de Jesus Cristo, celebra também a nossa corresponsabilidade na construção do Reino de Deus. Mas sem triunfalismo, pois a realeza de Cristo é serviço à verdade, à justiça, ao amor, à fraternidade e à paz.

Padre José Assis Pereira

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