A verdadeira religião

Publicado em 6 de setembro de 2015

Em que consiste a religião autêntica? Qual é o culto verdadeiro, que agrada a Deus? A verdadeira religião está no coração da pessoa que escuta e põe em prática a Palavra de Deus. São Tiago nos diz em sua carta: “Recebei com humildade a Palavra que em vós foi plantada… sedes praticantes da Palavra e não somente ouvintes.” (Tg 1,21-22)
A língua hebraica distingue entre palavra e ato, escutar e por em prática a Palavra. E por isso não se pode separar o escutar do fazer, nem o fazer do escutar. “Moisés falou ao povo, dizendo: Agora, Israel, ouve as leis e os decretos que eu vos ensino a cumprir, para que fazendo-o, vivais… Guardai os mandamentos do Senhor vosso Deus que vos prescrevo. Vós os guardareis, pois, e os poreis em prática.” (Dt 4,1.6)
O “Decálogo” é chamado “as dez palavras” que se tem de escutar e por em prática. Essas “dez palavras”, que resumem toda a lei de Moisés, Deus as pronunciou para o bem de seu povo e, portanto, possuem características propriamente divinas. Enquanto os outros povos se regem por leis e preceitos surgidos da sabedoria e vontade humanas, o “Decálogo” para os Israelitas tem a sabedoria mesma de Deus. Uma sabedoria nada teórica, mas que envolve a vida e a penetra em todas as suas expressões são palavras para se viver.
O cristão tem de ser obediente ou dócil à Palavra, de modo que não só a escute, mas também a ponha em prática. Qual é essa Palavra? Fundamentalmente o amor a Deus e o amor ao próximo, coração da verdadeira religião cristã.
Em nenhuma outra ocasião Jesus pôs sob suspeita de maneira tão radical a lei como nesta passagem do Evangelho se São Marcos (cf. Mc 7,1-23). É interessante a reflexão de Jesus à pergunta feita pelos fariseus: “Por que não se comportam os teus discípulos segundo a tradição dos antigos, mas comem o pão com mãos impuras?” (v. 5) No debate cerrado entre Jesus e os “fariseus e escribas” acerca de tradições e a Lei, Jesus denuncia a hipocrisia e apresenta um novo critério: é importante viver a Palavra na sua plenitude, com autenticidade e coerência entre o “dizer” e o “fazer”: “Bem profetizou Isaías a vosso respeito, hipócritas, como está escrito: Este povo me honra com os lábios, mas seu coração está longe de mim. De nada adianta o culto que me prestam; pois as doutrinas que ensinam são preceitos humanos’. (Mc 7,6-7)
Jesus com esta citação do Profeta, não só denuncia um culto sem alma, feito de exterioridades ocas e vazias, mas também censura o abandono da Lei de Deus em troca do zelo por preceitos ou costumes meramente humanos. Perder de vista o fundamental, o que Deus quer, para centrarem-se em coisas de menor importância, meras tradições.
Jesus confirma assim o pensamento dos profetas contra o “formalismo” na prática da religião. Põe em evidência a deformação que leva a pessoa a “parecer boa” mais que “o sê-lo de verdade”; o preferir o cumprimento “externo” da lei à mudança interna, real do coração; o pôr mais atenção em praticar com meticuloso cuidado rubricista os “ritos” que procurar a sinergia, a união dos lábios, mente e coração com o Espírito de Deus.
Em seguida Jesus ensinou que o que sai do interior da pessoa é o que conta, não o externo. Porque do interior das pessoas saem as obras boas e as más. Então deu o Mestre um “catálogo” das maldades que saem do coração humano: “más intenções, imoralidades, roubos, assassinatos, adultérios, ambições, maldades, fraudes, devassidão, inveja, calúnia, orgulho, falta de juízo” (vv. 21-22). Que retrato de uma sociedade corrompida! Não se parece esta descrição ao que está ocorrendo em muitos ambientes do mundo e em nossa própria sociedade brasileira? Talvez também até nós estejamos um pouco contaminados destas maldades… Se olharmos, honestamente para nós e ao nosso redor, talvez não tenhamos dificuldade em admitir isso que o Senhor nos diz!
A carta de São Tiago propõe claramente a religião que Deus quer: o amor aos pobres e a caridade “e não se deixar contaminar pelo mundo” (Tg 1,27). Quer dizer os cristãos autênticos são aqueles que demonstram com suas obras o que creem e professam com sues lábios, ou celebram em sua liturgia. “Escuta e vida” representa o programa diário do discípulo, onde a Palavra, primeiro escutada, se torna depois experiência e celebração da vida. Infelizmente temos de reconhecer com frequência que “dizer é uma coisa, fazer é outra”, isto é, entre a escuta e a vida a distância é grande.
O movimento farisaico era uma realidade perigosa para os cristãos do tempo de Marcos. Mas o cristianismo, desde seus primeiros tempos, teve que optar entre a fidelidade ao Evangelho de Jesus e o cumprimento de algumas tradições judaicas. Podemos pôr aqui só alguns exemplos muito conhecidos; o cumprimento do descanso sabático, a lei do talião, a necessidade de circuncidar ou não aos não judeus convertidos ao cristianismo, a questão da pureza legal etc. Todos conhecemos a atitude de Jesus em todos estes casos através dos evangelhos e sabemos que os apóstolos tiveram que sofrer muito para manter-se fieis ao Mestre.
O importante é que também nós, agora saibamos optar pela fidelidade ao Evangelho de Jesus, frente a certo tradicionalismo estéril, certo devocionismo e legalismo vazio ou relativismo moral. Não queiramos tapar nossa falta de misericórdia, e de amor generoso e desinteressado a Deus e ao próximo, com o simples cumprimento de ritos, rezas, penitências e sacrifícios. Nossa principal tarefa, ao longo de toda nossa vida é purificar nosso coração, tratando de fazê-lo o mais possível semelhante ao coração de Jesus e ser uma religião do coração.
Sendo o coração o centro da pessoa. O coração visto não só como fonte de amor, afetividade, mas também como sede da razão, dos sentimentos, da vontade, da consciência, da decisão. O cristianismo não só do futuro, mas do presente, está pedindo para ser uma religião do coração.
A autenticidade deveria ser a carteira de identidade de todo cristão. Mas, o que significa ser autêntico? Na concepção cristã, ser autêntico se entende como um ideal de ser um mesmo e não outro, não uma máscara. Neste sentido, “autêntico” é quem não vive de aparências. É fácil e tentador querer viver de aparências, é uma força tentadora.
O farisaísmo é tentação permanente para o cristão. Uma religião aspergida por atitudes.
Padre José Assis Pereira

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