Advento tempo de mudança
Publicado em 13 de dezembro de 2015Na espiritualidade litúrgica do Advento emergem algumas figuras bíblicas que dão uma tonalidade toda especial a este tempo de espera: O profeta Isaías, João Batista, a Virgem Maria e São José.
João Batista é o último dos profetas e resume na sua pessoa e palavra toda a história precedente, no momento em que esta desemboca no seu cumprimento. Ele encarna a mística do Advento, João é sinal da intervenção de Deus em favor do seu povo, como precursor do Messias, tem a missão de preparar os caminhos do Senhor (cf. Is 40,3).
O modo como Lucas introduz a pregação de João é semelhante ao começo dos livros dos antigos profetas. Eles citam os nomes dos reis em cujo governo o profeta desenvolve seu profetismo. Lucas faz a mesma coisa para dizer que, depois de 300 anos de profecia silenciada, o último Profeta foi Malaquias, aparece de novo um profeta cujo nome é João, filho de Zacarias e de Isabel.
O evangelista considera a atividade de João Batista o divisor de águas entre o Antigo e o Novo Testamento. João era considerado pelo povo, não como um rebelde, nem como um escriba ou fariseu, mas como um profeta esperado por todos. (cf. Lc 1,76)Muitos pensavam até que ele fosse o Messias.
Lucas se preocupa de situar os acontecimentos no tempo e no espaço. Apresenta os nomes dos governantes e descreve os lugares onde João se movia. No contexto político social da época; “Tibério César é o imperador, Pôncio Pilatos o governador da Judéia, Herodes governa a Galiléia” (cf. Lc 3,1); no espaço geográfico o lugar da pregação do Batista é o deserto.
Tem um valor histórico, mas também simbólico o deserto como lugar bíblico por excelência, ícone do êxodo de Israel da escravidão do Egito para a Terra Prometida.
Simbolicamente o deserto tinha dois significados: Lugar da provação ou lugar amaldiçoado por Deus, terrível e espantoso(cf. Dt 1,19), habitado por feras e demônios (cf. Mc 1,13), ou, como símbolo da experiência de Deus, significando uma época privilegiada em que Israel nasce como povo escolhido, época de amores e infidelidades, sinal de salvação (cf. Mt 24,26).
O evangelista Lucas fala da grande expectativa que se criou no povo em torno da pregação de João Batista, que anunciava um batismo de conversão para o perdão dos pecados e a iminência do Reino de Deus (cf. Mt 3,2).
Mas Lucas distingue claramente o Batismo de João Batista do Batismo cristão, mas ao mesmo tempo associa-os, porque tudo o João cumpre, inaugura a missão de Jesus. João é aquele que prepara o caminho de Jesus.
A obra do precursor inaugura um tempo de alegria, é o que é antecipado por Baruc, secretário do Profeta Jeremias, deportado para o exílio da Babilônia. Na sua profecia desperta as esperanças messiânicas e convida Jerusalém a deixar as vestes de luto porque “Deus conduzirá Israel na alegria, à luz da sua glória, com a misericórdia e a justiça”. (cf. Br 5,1-9)
Também hoje existe uma grande expectativa de conversão e reconciliação com Deus que se manifesta de muitas maneiras: a busca de espiritualidade, de sentido para a vida, a busca de mudanças globais, as conferências sobre a questão ambiental e o aquecimento global, como a que aconteceu estes dias em Paris e tantos outros movimentos sociais e religiosos.
Sociólogos e políticos buscam um mundo mais humano e revelam, mesmo sem saber, o desejo de conversão ou reconciliação com Deus. O Advento é um tempo apropriado para renovar este desejo de mudança em nós, de conversão de aproximação a Deus e de compromisso com a transformação do mundo.
João prega uma mudança, não só da conduta moral, mas também e, sobretudo, da mentalidade. O povo devia tomar consciência do fato de que seu modo de pensar, influenciado pela ideologia religiosa ou “fermento dos fariseus e de Herodes”(Mc 8,15), ou seja, pela propaganda do governo e da religião oficial, era um erro e se devia mudar.
O perdão leva consigo a reconciliação com Deus e com o próximo. Deste modo, João anunciava um novo modo nas relações do povo com Deus. Reconciliação ou conversão será também o marco da pregação de Jesus.
Lucas põe na boca de João a palavra profética de Isaias (cf. Is 40,3-5) que nos convida a endireitar o que está torto: “Voz do que clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor, tornai retas suas veredas; todo vale será aterrado, toda montanha ou colina será abaixada; as vias sinuosas se transformarão em retas e os caminhos acidentados serão nivelados.” (Lc 3,4-6).
Assim Isaías anunciava o caminho de regresso dos exilados da Babilônia para a Palestina, para Lucas, Jesus começa um novo êxodo que estava sendo preparado pela pregação de João no deserto.
A metáfora do deserto e mais precisamente de um caminho aberto no deserto nos situa na espiritualidade do Advento. É no deserto das provações de cada dia que somos, também nós, convidados e preparar os caminhos do Senhor, na sociedade materialista em que vivemos. Que realidade em nós e na comunidade precisam ser aplanadas, retificadas, preenchidas? A melhor maneira de preparar como cristãos o Natal do Senhor é afastar do nosso coração tudo o que possa impedir o verdadeiro encontro com o Salvador.
Advento, embora não seja tempo de penitência, nas mesmas cores e tons da Quaresma, se torna um tempo oportuno para uma revisão de vida, para descobrir quais são os caminhos, os atalhos, as veredas, as curvas, as montanhas ou vales, enfim, que teremos de endireitar para que o Senhor possa habitar em nossos corações.
O Senhor não anda em todos os nossos caminhos. Quando a humanidade caminha pela injustiça, pela exploração desenfreada dos recursos naturais, pelos caminhos da violência, das guerras ou pelos caminhos da falta de misericórdia e perdão, por estes caminhos não chegamos até Ele, não chegamos a Belém! Não encontramos o Salvador.
Temos muitos obstáculos a remover, em parte eles estão em nós mesmos e, em parte, nas estruturas sociais. Obstáculos em nosso próprio coração: egoísmo, ambiguidades, rancores, desamor; Obstáculos no coração de nossa sociedade: estruturas injustas, desigualdades sociais, preconceitos, corrupção. Importa escutar esta voz que clama muitas vezes, no deserto de nossas vidas, é necessária a coragem para realizar a mudança, a reforma de vida, trabalhando nos dois níveis, e isso, com alegria, com amor.
Como para uma pessoa loucamente apaixonada não existe obstáculo que não se supere no caminho que a conduz ao encontro da pessoa amada. Não há montanha tão alta e nem vale tão profundo que possa impedi-la de realizar o seu sonho de amor.
Tenhamos também nós a coragem de questionar a nós mesmos: será que nas nossas comunidades ou grupos cristãos não existem posturas ambíguas ou “caminhos tortuosos” que precisam ser endireitados?
Não haverá, por acaso, “montanhas” que impedem, de caminhar ao encontro do outro ou de Jesus? Não haverá também “vales” que separam pessoas numa mesma família? Quais os caminhos que devem ser endireitados, “montanhas” que devem ser aplainadas ou “vales” que devem ser aterrados na nossa vida?
Caminho se faz caminhando, caminhemos, pois, com uma grande certeza, ele é o próprio caminho e se faz companheiro de nossas caminhadas.
Padre José Assis Pereira