Caso Genivaldo: PF indicia policiais rodoviários por abuso de autoridade e homicídio qualificado

Publicado em 27 de setembro de 2022

A Polícia Federal (PF) indiciou três policiais rodoviários envolvidos em uma abordagem que terminou com a morte de Genivaldo Santos, de 38 anos, em Umbaúba (SE). A PF informou que concluiu o laudo final nesta segunda-feira (26), quatro meses após o caso. Os investigados devem responder por abuso de autoridade e homicídio qualificado (asfixia e sem meios de defesa).
Genivaldo morreu em maio deste ano, depois de ter sido trancado no porta-malas de uma viatura da PRF e submetido a inalação de gás lacrimogêneo, na BR-101. A certidão de óbito concedida pelo Instituto Médico-Legal (IML) à família apontou asfixia e insuficiência respiratória como causas da morte.
Os investigados no caso são os policiais Kleber Nascimento Freitas, Paulo Rodolpho Lima Nascimento e William de Barros Noia, conforme reportagem do Fantástico. O relatório da PF foi encaminhado ao Ministério Público Federal (MPF), que é responsável por apresentar a denúncia à Justiça.
“Esperamos que seja realmente cumprido. Estamos lutando por justiça, sabemos que não vai trazer a vida dele de volta, mas lutamos para não acontecer com outras pessoas e que outras famílias não passem por essa dor”, disse o sobrinho da vítima, Walisson de Jesus Santos.
O MPF confirmou o recebimento do relatório do inquérito e informou que tem, por previsão no Código de Processo Penal, 15 dias para análise e apresentação de denúncia (art. 46 do CPP).
Ainda de acordo com o MPF, um posicionamento sobre o caso e a divulgação de documentos só irão acontecer quando a ação criminal for ajuizada.
A defesa dos policiais ainda não se manifestou sobre a conclusão do inquérito.
Os agentes envolvidos diretamente na abordagem foram afastados das funções pela Polícia Rodoviária Federal (PRF), que afirmou que não compactua com as medidas adotadas pelos policiais durante a abordagem.
Os três policiais já prestaram depoimento à Polícia Federal, além de outros dois agentes que assinaram o boletim de ocorrência, mas não participaram da ação.
A Justiça Federal em Sergipe negou o pedido de prisão dos três policiais rodoviários federais envolvidos na abordagem. O pedido foi feito pela defesa da família da vítima, que ainda não se manifestou sobre a decisão.

Laudo IML
Peritos do Instituto de Criminalística de Sergipe concluíram no início deste mês que Genivaldo , morreu em virtude de uma asfixia mecânica provocada por um componente químico encontrado na corrente sanguínea dele. No entanto, não ficou atestado qual a substância foi inalada durante a abordagem realizada por policiais rodoviários federais.
Durante o trabalho dos peritos, foram produzidos três laudos que se complementam: o toxicológico, que indica quais substâncias estavam na corrente sanguínea da vítima; o cadavérico, realizado a partir da necropsia; e o anatomopatológico, onde amostras de tecidos, como do pulmão, foram analisadas em laboratório, para avaliar as células.
Os policiais já haviam admitido que usaram spray de pimenta e gás lacrimogêneo dentro da viatura.

Morte de Genivaldo
Veja a cronologia:
• Por volta das 11h do dia 25 de maio, Genivaldo foi abordado por três policiais rodoviários no km 180 da BR-101, em Umbaúba; segundo depoimento registrado no boletim de ocorrência (BO), os agentes o pararam por não usar capacete enquanto dirigia uma motocicleta;
• Imagens feitas por populares mostram quando os agentes pedem que ele coloque as mãos na cabeça e abra as pernas para a revista;
• O sobrinho da vítima, Wallison de Jesus, diz que avisou aos policiais que o tio tinha transtornos mentais. Ainda de acordo com ele, os agentes encontraram uma cartela de um medicamento controlado no bolso do tio, que fazia tratamento para esquizofrenia há cerca de 20 anos. Também segundo a família, Genivaldo era aposentado em virtude dessa condição;
• Wallison relata que o tio ficou nervoso e perguntou o que tinha feito para ser abordado. No BO os policiais dizem que ele ficava passando a mão pela cintura e pelos bolsos e não obedecia às ordens e que, por isso, precisaram contê-lo. Segundo os agentes, os primeiros recursos foram spray de pimenta e gás lacrimogêneo;
• Um vídeo mostra quando um dos agentes tenta imobilizar Genivaldo com as pernas no pescoço. No chão, ele é algemado e tem os pés amarrados;
• Em seguida, Genivaldo é colocado no porta-malas do carro da PRF, que está com os vidros fechados. Os policiais jogam gás e fecham o compartimento. Genivaldo se debate, com os pés para fora do porta-malas, enquanto os policiais pressionam a porta;
• No boletim de ocorrência, os policiais dizem que o homem teve um “mal súbito” no trajeto para a delegacia e foi levado para o Hospital José Nailson Moura, no município, onde morreu por volta das 13h;
• O corpo foi recolhido pelo IML de Sergipe e chegou a Aracaju às 16h58. Um laudo do órgão aponta que Genivaldo morreu por asfixia mecânica e insuficiência respiratória aguda;
• Por volta das 18h, a Polícia Rodoviária Federal se pronunciou, informando ter aberto um procedimento para apurar o caso, que também é investigado pelas polícias Civil e Federal. O Ministério Público Federal em Sergipe também acompanha as investigações;
• O corpo de Genivaldo foi sepultado em Umbaúba por volta das 11h do dia seguinte, 26 de maio. Ele deixou esposa e um filho e oito anos;
• No fim da tarde, a PRF informou sobre o afastamento dos agentes envolvidos.

Atuação policial
Uma portaria de 2010, que regulamenta uso de força policial, e uma lei de 2014, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública, não foram respeitadas por agentes de Sergipe durante abordagem que terminou na morte de Genivaldo, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
De acordo com a portaria interministerial nº 4.226, de 2010, o uso da força pelos agentes de segurança pública deverá se pautar nos documentos internacionais de proteção aos direitos humanos e deverá obedecer aos princípios da legalidade, necessidade, proporcionalidade, moderação e conveniência.
O documento determina ainda os procedimentos de habilitação para o uso de cada tipo de arma de fogo ou instrumento de menor potencial ofensivo, o que inclui avaliação técnica, psicológica, física e treinamento específico, com revisão periódica. Nenhum profissional de segurança deverá portar instrumento de menor potencial ofensivo para o qual não esteja devidamente habilitado.
Além disso, o texto afirma que os critérios de recrutamento e seleção para os agentes de segurança pública deverão levar em consideração o perfil psicológico necessário para lidar com situações de estresse e uso da força e arma de fogo.
Segundo a nota técnica divulgada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, “a morte de Genivaldo Jesus Santos chocou a sociedade brasileira pelo nível de sua brutalidade, expondo o despreparo da instituição em garantir que seus agentes obedeçam a procedimentos básicos de abordagem que orientam os trabalhos das forças de segurança no Brasil”.
Já a lei 13.060, que disciplina o uso de instrumentos de menor potencial ofensivo pelos agentes de segurança pública em todo o país, determina, no artigo 3º, que “cursos de formação e capacitação dos agentes de segurança pública deverão incluir conteúdo programático que os habilite ao uso dos instrumentos não letais”.

G1

Banner Add

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial