CPI: relatório mostra atuação de Bolsonaro, gabinete paralelo e Prevent Senior para defender tratamento ineficaz contra Covid

Publicado em 20 de outubro de 2021

A minuta do relatório final da CPI da Covid, distribuída a senadores pelo relator Renan Calheiros (MDB-AL) nesta terça-feira (19), descreve a atuação de várias autoridades e pessoas influentes junto ao governo federal para defender a disseminação de tratamentos ineficazes contra o coronavírus.
O documento aponta que o presidente Jair Bolsonaro começou a defender publicamente a cloroquina no dia 21 de março de 2020 – dois dias após o então presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, também defender a mesma medicação.
“E assim, o tratamento precoce acabou por adquirir, principalmente no Brasil, um sentido ideológico. O principal responsável por isso foi o próprio Presidente da República, notório divulgador do tratamento precoce”, afirma o relatório.
Desde março de 2020, diversos estudos comprovaram que a cloroquina não é eficaz para o tratamento da Covid. Mesmo assim, Bolsonaro continuou a propagandear o medicamento, citado por ele até no discurso na Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU) – há menos de um mês.
“Apoiamos a autonomia do médico na busca do tratamento precoce, seguindo recomendação do nosso Conselho Federal de Medicina. Eu mesmo fui um desses que fez tratamento inicial”, afirmou.

O gabinete paralelo
O relatório da CPI da Covid relata que o comportamento de Jair Bolsonaro gerou conflitos no próprio governo. Dois ministros da Saúde contrários ao uso da cloroquina caíram: Henrique Mandetta e Nelson Teich.
O cenário abriu espaço para a existência de um gabinete paralelo – um grupo de médicos defensores de tratamentos ineficazes contra a Covid e que passaram a assessorar o presidente da República nos assuntos da pandemia.
Registros obtidos pela CPI apontaram a médica oncologista Nise Yamaguchi e o deputado federal Osmar Terra (MDB-RS) como membros desse gabinete. Ambos negaram a existência de um “gabinete” à CPI, mas confirmaram que davam uma assessoria informal ao presidente.
Uma das teses defendidas pelo grupo era o incentivo à “imunidade de rebanho” a partir da contaminação dos brasileiros com o vírus. Osmar Terra, segundo o relatório da CPI, era um dos principais entusiastas da ideia.
“A ideia era dispensar a adoção de medidas não farmacológicas que contribuíssem para evitar a contaminação, sobretudo o distanciamento social e o uso de máscaras, e com isso favorecer a propagação do novo coronavírus”, diz a minuta de relatório.

Pazuello e Mayra Pinheiro
O apoio à adoção de tratamentos e estratégias ineficazes também existiu dentro do próprio Ministério da Saúde. Sucessor de Mandetta e Teich, o ex-ministro Eduardo Pazuello também estimulou o uso dos medicamentos sem comprovação científica, apoiado pela secretário de Gestão do Trabalho, Mayra Pinheiro.

Em depoimento à CPI, Pazuello negou que tenha recebido ordens de Bolsonaro para recomendar o tratamento ineficaz. A comissão, no entanto, elencou falas do ex-ministro defendendo esses medicamentos nas redes sociais:
“O tratamento precoce é preconizado pelos Conselhos Federais, Conselhos Regionais, orientado pelo Ministério da Saúde. Se mostrou eficaz em todas as cidades e estados do Brasil. O diagnóstico clínico e o tratamento o mais rápido possível a partir do diagnóstico do médico e esses medicamentos têm que estar disponíveis na rede pública para que todos os brasileiros possam receber e iniciar o seu tratamento”, disse Pazuello. Essas declarações não condizem com a realidade.
Para a comissão, o objetivo do governo era não só reduzir os prejuízos econômicos com as medidas sanitárias na pandemia, mas também atingir a chamada “imunidade de rebanho”.
O termo designa o estágio no qual a maior parte dos cidadãos já conseguiu desenvolver imunidade e, por isso, o vírus perde boa parte da sua capacidade de circular e fazer novas vítimas. O consenso científico é de que a melhor forma de chegar a esse estágio é com a vacinação – e não, com o contágio desenfreado.
De acordo com os documentos da CPI, as compras de hidroxicloroquina pelo Fundo Nacional de Saúde somaram R$ 30.654.670 em 2020.

Prevent Senior
A minuta de relatório da CPI da Covid também aponta uma “convergência de interesses” no uso de medicamentos ineficazes entre o governo federal e a operadora de planos de saúde Prevent Senior. O escândalo envolvendo a empresa ocupa quase cem páginas do documento.
A Prevent Senior foi responsável por um estudo para testar essas substâncias ineficazes, divulgado e enaltecido pelo presidente Jair Bolsonaro como exemplo de sucesso durante a pandemia.
O estudo foi suspenso pela Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (Conep) alguns dias após o início. Em depoimento à CPI, o diretor da Prevent, Pedro Benedito Batista Junior, chegou a negar a existência do estudo.
“Na cidade de São Paulo, a rede Prevent Senior via-se sob enorme pressão, inclusive do Ministério Público, em razão das muitas mortes que ocorriam em seus hospitais. Em Brasília, […] um presidente da República estava mais interessado no seu futuro político do que no Brasil. Apegava-se à ideia de que quaisquer medidas restritivas poderiam causar danos sérios a imagem de seu governo. Sabotava o seu próprio Ministro da Saúde”, diz o relatório preliminar da CPI.
Também em depoimento à CPI, a advogada Bruna Morato afirmou que a Prevent estava sob pressão em razão da alta mortalidade de seus pacientes – e que, por isso, teria buscado aliados no alto escalão do governo. Bruna representa 12 médicos que elaboraram um dossiê contra a operadora de planos de saúde.
“Uma vez realizado esse pacto, ou aliança, entre esse conjunto de assessores que depois foram denominados por esta Comissão Parlamentar como sendo o gabinete paralelo, mas que, na época, eram apenas os assessores, é que após esse contato lhe foi transferida certa segurança. Então, a Prevent Senior tinha segurança de que ela não sofreria fiscalização do Ministério da Saúde ou de outros órgãos vinculados ao Ministério da Saúde”, diz Bruna em trecho transcrito no relatório da CPI.
A Prevent Senior é acusada, ainda, de entregar “Kits Covid” para pacientes – compostos por uma série de medicamentos ineficazes. “Abundam evidências que a empresa passou a experimentar os variados medicamentos e tratamentos em seus pacientes, em um frenesi incontrolável de pseudociência”, diz o relatório.
O texto que será votado pela CPI da Covid ressalta ainda uma “confissão” de Pedro Benedito, diretor da Prevent. Ele admitiu à comissão que a empresa retirava do prontuário dos pacientes o código que indicava a Covid, passados alguns dias de internação.
“Uma consequência óbvia a respeito da alteração fraudulenta da CID é a responsabilidade criminal. O senhor Pedro Benedito surpreendentemente ou nem tanto assim imputou a cada médico as consequências da alteração da CID. Em suma, determinou explicitamente que outros médicos cometessem uma infração, mesmo que a determinação tenha partido da direção da empresa”, diz o texto.
No relatório, o senador Renan Calheiros afirma que a Prevent Senior fez “parte do pacto, da associação sinistra na cúpula do governo brasileiro que, sob o lema ‘o Brasil não pode parar’, resultou na morte de milhares de brasileiros.”
“As evidências contra a Prevent Senior gritam: práticas incompatíveis com quaisquer padrões éticos acabaram por se tornar a regra”, segue o texto.

Indiciamentos
Para a CPI da Covid, a forma de agir do presidente Jair Bolsonaro, ao estimular a aglomeração e o desrespeito às medidas sanitárias e até a invasão de hospitais, é, por si só, uma infração penal de incitação ao crime.
“Ao adotar e insistir no tratamento precoce como praticamente a única política de governo para o combate à pandemia, inclusive em detrimento da vacinação, Jair Bolsonaro colaborou fortemente para a propagação da covid-19 em território brasileiro e, assim, mostrou-se o responsável principal pelos erros cometidos pelo governo federal durante a pandemia da covid-19”, diz o relatório.

A minuta de parecer final da CPI pede os indiciamentos, entre outros:
• da médica Nise Yamaguchi, por epidemia culposa que resultou em morte;
• do deputado federal Osmar Terra, por epidemia culposa que resultou em morte e incitação ao crime;
• e dos donos da Prevent Senior, Fernando Parrillo e Eduardo Parrillo, e do diretor Pedro Benedito Batista Junior, por perigo para a vida ou saúde, omissão de notificação de doença, falsidade ideológica e crime contra a humanidade.

Reprodução: TV Globo
G1

Banner Add

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Social media & sharing icons powered by UltimatelySocial