Em delação à PF, Mauro Cid que Bolsonaro viu minuta do golpe, pediu alteração no texto e queria a prisão de Alexandre de Moraes

Publicado em 12 de outubro de 2023

A Polícia Federal investiga o relato do ex-ajudante de ordens da Presidência Mauro Cid de que Jair Bolsonaro atuou diretamente na discussão da elaboração de um decreto golpista para impedir a troca de governo após as eleições de 2022. Segundo depoimento do tenente-coronel, o ex-presidente pediu alteração em uma minuta de documento que determinava a prisão de autoridades e a realização de novas votações no país. O militar fechou um acordo de delação premiada com a PF, homologado pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF). Os fatos narrados na colaboração estão sendo checados pelos investigadores. Procurada, a defesa de Bolsonaro disse que não vai comentar, porque não teve acesso ao material.
Segundo três pessoas com acesso ao teor do depoimento, Cid contou à PF que Bolsonaro recebeu de Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, uma minuta de um decreto golpista com diversas páginas elencando supostas interferências do Poder Judiciário no Executivo e propondo medidas antidemocráticas. O esboço desse documento, de acordo com o militar, terminava com a determinação de realização de novas eleições e a prisão de autoridades, sem especificar quem executaria a ação.
Após ler a minuta, de acordo com o relato de Cid, Bolsonaro pediu para alterar parte da estrutura do texto, mantendo a convocação de novas eleições e apenas a prisão de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). As demais autoridades relacionadas no decreto foram excluídas. O ex-ajudante de ordens afirmou aos investigadores que só soube da existência do rascunho do documento quando Filipe Martins lhe apresentou uma versão impressa e em formato digital para que fossem feitas as mudanças pedidas pelo ex-presidente.

DELAÇÃO DE MAURO CID:
• O ex-ajudante de ordens de Bolsonaro afirmou à Polícia Federal que Bolsonaro fez reunião com militares que à época estavam na cúpula das Forças Armadas para avaliar golpe
• O tenente-coronel também relatou que Braga Netto atuou como elo entre Bolsonaro e o acampamento golpista
• O ministro da Defesa, José Múcio, defende que os militares envolvidos na trama sejam punidos, mas diz que as Forças não endossaram a ofensiva golpista

O próprio Martins, segundo relato de Cid à PF, retornou dias depois com uma nova versão do texto com a alteração solicitada por Bolsonaro. Ainda de acordo com o ex-ajudante de ordens, o ex-presidente concordou com a mudança feita na minuta e mandou chamar os comandantes das Forças Armadas para discutir a medida antidemocrática. Procurado, o advogado de Cid disse que desconhece a informação. Martins não foi localizado.
Como revelou a colunista do GLOBO Bela Megale, no encontro entre Bolsonaro e os chefes das Forças Armadas, o almirante Almir Garnier Santos, então comandante da Marinha, teria dito ao ex-presidente que seus homens estavam prontos para aderir a um chamamento. Já o então responsável pelo Exército, general Freire Gomes, afirmou que não embarcaria em um eventual plano golpista. Procurado por telefone e por meio do Ministério da Defesa e da Marinha, Garnier não foi localizado. A Marinha reiterou em nota que “eventuais atos e opiniões individuais não representam o posicionamento oficial da Força”.
O ex-ajudante de ordens disse à PF, de acordo com os relatos feitos ao GLOBO, que a ideia não foi colocada em prática devido à falta de apoio tanto do general quanto do comandante da Aeronáutica, tenente-brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior.
Na delação, Cid contou também que Bolsonaro realizou várias reuniões com generais fora da agenda oficial depois do segundo turno das eleições. Segundo ele, o ex-mandatário não queria que seus apoiadores deixassem os acampamentos em frente aos quartéis porque acreditava que encontraria provas de fraude nas urnas eletrônicas — o que nunca ocorreu — e precisava manter o apoio popular para contestar o processo eleitoral.
Em busca de provas
A delação premiada de Cid é considerada um ponto de partida das investigações da Polícia Federal, que tenta avançar em outros elementos que corroborem as informações repassadas pelo ex-ajudante de ordens.
Uma dessas provas, obtida pela CPI do 8 de janeiro, é um e-mail do tenente-coronel listando uma série de decisões do TSE e do STF “em desfavor” do ex-presidente. O documento foi digitalizado e recebido pelo militar em 6 de novembro de 2022, uma semana após a derrota nas urnas do então chefe do Executivo. No fim daquele mês, Cid enviou para si mesmo no WhatsApp uma minuta golpista fazendo referências a “decisões inconstitucionais do STF”. A PF apura se há alguma relação desse material com o decreto golpista apresentado por Filipe Martins.
O texto encontrado pela PF no celular de Cid aponta, sem fundamento, que “decisões ilegítimas e inconstitucionais” do STF ferem o “princípio da moralidade”, pondo “em evidência a necessidade de restauração da segurança jurídica e da defesa às liberdades em nosso país”. Ainda de acordo com a minuta, isso justificaria a decretação de um “Estado de Sítio” para “restaurar” o Estado Democrático de Direito no país.
A Polícia Federal também analisa áudios e mensagens de Cid e aliados de Bolsonaro que, segundo os investigadores, reforçam a suspeita de que havia um plano de golpe de Estado. Nesse material, há menções sobre a possibilidade de intervenção militar no fim do ano passado e também da prisão de Moraes.
De acordo com mensagens obtidas pela PF, a trama golpista insuflada por apoiadores de Bolsonaro envolvia contornar a resistência do Comandante do Exército em contestar o resultado das eleições e convencer o Comando de Operações Especiais de Goiânia (GO), formado pela tropa de elite da caserna, a tomar alguma medida para evitar a troca de governo.
As mensagens descobertas pela PF no celular de Cid foram determinantes para que o ex-ajudante de ordens fechasse um acordo de delação premiada após quatro meses preso por se envolver em uma suposta fraude de cartões de vacinação de familiares e de Bolsonaro no Sistema Único de Saúde (SUS). Encurralado pela investigação, o militar decidiu contar os principais fatos que observou no fim do governo, especialmente após o resultado das eleições de 2022.

O Globo

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