Em despacho, juiz de SC se diz ‘triste’ e acusa parte de tentar ‘dar um migué’

Publicado em 23 de janeiro de 2016

Um juiz da 2ª Vara Especial Cível de Florianópolis, que trata de pequenas causas, causou surpresa ao escrever, em um despacho, que o autor do processo tentou dar um “migué”, usando a gíria para se referir a um suposto ato de má-fé.
A ação solicitava que uma pessoa recebesse um novo celular pois o modelo que comprou não corresponderia ao que teria selecionado em uma loja pela internet. Entretanto, o autor da ação entrou com o pedido três anos após a compra.
Ao concluir que a parte não respeitou o prazo de 90 dias para fazer a reclamação, o juiz Vilson Fontana decidiu extinguir a ação. Na decisão, Fontana relata ter ficado “triste” com o processo e por ter que julgá-lo.
“Confesso que fiquei triste com este processo, com o autor, com os advogados, com
o Judiciário, com o Sistema e comigo mesmo. Numa sexta-feira à tarde, 16 horas, janeiro, sol forte lá fora, pergunto se mereço realmente estar “julgando” este processo. Acho
que não”, diz o trecho do despacho.
Migué ou tergiversou?
“Eu poderia ter substituído ‘migué’ por ‘tergiversou’, ‘usou de evasiva’, ‘subterfúgios’, mas aqui é um juizado especial, tem que ser uma linguagem simples”, disse o juiz ao G1. Fontana afirma que decidiu usar essa palavra porque, claramente, houve má-fé.
“A parte veio fugindo do discurso. Primeiramente diz que reclamou do produto uma vez. Depois disse que reclamou inúmeras vezes. Depois disse que na documentação constava a reclamação, mas não havia esse anexo. Claramente ele quis enrolar para ganhar”, explicou Fontana.

Sobre a parte em que reclama dele mesmo e de instituições, o juiz diz que no mesmo dia havia julgado cinco processos. “Eram 12 páginas da inicial, que solicitava a troca do celular, e 20 páginas de defesa da empresa. São muitas páginas por uma coisa que poderia ser resolvida com apenas um dado: passou o prazo dos 90 dias”.
O juiz ainda diz que o desabafo tem a ver com os processos da justiça. “A Justiça permite que se possa discutir qualquer causa e alegar qualque coisa. Algumas vezes são coisas simplórias, que demandam muitos trâmites e análises sem precisar”, diz Fontana.
O professor de processo civil da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), Eduardo Mello Souza, diz que a liguagem do Juizado Especial de Pequenas Causas pode ser mais “simples mais econômico”. “O juiz em juizado especial é um microssistema à parte da Justiça, eles usam a mesma estrutura, mas é mais simples. O uso do coloquial pode ser perfeitamente aplicado”, esclarece.

Para ele, o desabafo do juiz não interfere na decisão. “As pessoas esquecem a dimensão humana do juiz, o ser humano por trás da toga. A frase pode ter gerado antipatia, dentro da dureza normal do debate, mas ele julgou a ação analisando todos os pontos, mesmo sendo uma ação que claramente tinha passado o prazo da reclamação”, disse Souza.
O G1 tentou contato com o advogado do autor da ação, mas foi informado em seu escritório que ele estava em férias. Não houve retorno até a publicação desta reportagem.
G1

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