Jean Wyllys decide não tomar posse para novo mandato em razão de ameaças

Publicado em 25 de janeiro de 2019

A assessoria do deputado federal Jean Wyllys (PSOL-RJ) informou nesta quinta-feira (24) que o parlamentar não tomará posse para o novo mandato.
Ao G1, a assessoria de Jean Wyllys informou que ele tem recebido ameaças e, por isso, decidiu não assumir o terceiro mandato parlamentar. A posse dos deputados federais eleitos está marcada para 1º de fevereiro. Jean Wyllys recebeu 24.295 votos na eleição de outubro.
Em uma rede social, Jean Wyllys publicou nesta quarta: “Preservar a vida ameaçada é também uma estratégia da luta por dias melhores. Fizemos muito pelo bem comum. E faremos muito mais quando chegar o novo tempo, não importa que façamos por outros meios! Obrigado a todas e todos vocês, de todo coração. Axé!”
Homossexual assumido, Jean Wyllys tinha como principais bandeiras pautas relacionadas às causas LGBT e para minorias.
De acordo com a Secretaria-Geral da Câmara, o suplente de Jean Wyllys é o vereador carioca David Miranda (PSOL-RJ).
Mais cedo, nesta quinta, Jean Wyllys concedeu entrevista ao jornal “Folha de S.Paulo” na qual informou que está no exterior e não pretende voltar ao Brasil. Na entrevista, o deputado diz que tem sofrido ameaças de morte.
“O [ex-presidente do Uruguai] Pepe Mujica, quando soube que eu estava ameaçado de morte, falou para mim: ‘Rapaz, se cuide. Os mártires não são heróis’. E é isso: eu não quero me sacrificar”, disse Jean Wyllys à “Folha”.
Ainda ao jornal, Jean Wyllys disse que o PSOL, partido ao qual é filiado, reconhece que ele se tornou um “alvo” e apoiou a decisão dele de não retornar ao Brasil.
Ao G1, a assessoria de Jean Wyllys afirmou que há uma campanha “muito pesada” contra o deputado, que dissemina conteúdo falso sobre ele na internet o associando, por exemplo, à pedofilia, ao casamento de adultos com crianças e à mudança de sexo de crianças.

Assassinato de Marielle
De acordo com a assessoria de Jean Wyllys, o volume de ameaças contra o deputado aumentou após o assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), em março do ano passado.
Ainda segundo a assessoria, desde então, o parlamentar precisava andar de carro blindado e com escolta de seguranças armados.
“Aumentou a situação de violência, de seguidores do atual presidente [Jair Bolsonaro] que fazem todo tipo de xingamento e ameaças nas redes sociais. Isso criou uma situação cada vez mais difícil. Antes do assassinato da Marielle, ele já vinha recebendo ameaças muito pesadas, inclusive direcionadas não só a ele, mas também à família. E-mails falando endereço da mãe, endereço da irmã, da família”, informou.
De acordo com a assessoria, Jean Wyllys está no exterior, mas o local não será informado por questão de segurança.

Situação ‘muito grave’ do país
À TV Globo, o presidente do PSOL, Juliano Medeiros, afirmou que a situação do país é “muito grave”.
“A situação do país é realmente muito grave, e a gente tem defendido que a resistência democrática no país é necessária. O Jean era e ainda é uma nesse processo de resistência democrática”, afirmou o presidente do PSOL. “A decisão dele é de caráter pessoal”, acrescentou.
Juliano disse lamentar a decisão de Jean Wyllys porque o partido preferia que ele continuasse na bancada. Mas ressaltou que o partido compreende e se solidariza com o deputado.

Relembre a passagem de Jean Wyllys pela Câmara
Na Câmara dos Deputados, Wyllys era alvo constante de provocações por parte dos colegas parlamentares e, durante as sessões no plenário e nas comissões, chegou a bater boca diversas vezes com adversários.
O episódio mais polêmico ocorreu durante a votação da abertura do processo de impeachment da então presidente Dilma Rousseff, em 2016. Wyllys cuspiu no então deputado Jair Bolsonaro e foi punido pelo Conselho de Ética da Câmara com uma censura escrita.
À época, Jean Wyllys disse ao jornal “O Globo” que havia cuspido em Bolsonaro porque, após votar contra o prosseguimento do impeachment, Bolsonaro o insultou.
Depois da decisão do Conselho de Ética, Wyllys soltou nota em que afirmava que cuspiu porque teve “uma reação espontânea, humana, contra os xingamentos e agressões que há anos” recebia na Câmara em razão da sua orientação sexual e posições políticas. “O grau de violência, desrespeito e ofensas que recebo desde que estou deputado é intolerável”, dizia a nota.
O mesmo fato gerou outras duas representações do PT no Conselho de Ética, contra o deputado Eduardo Bolsonaro (PSC-SP).
A primeira representação acusava Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro de ter revidado o cuspe dado em seu pai ao cuspir de volta em Jean Wyllys. A segunda dizia que ele havia editado e divulgado um vídeo que dava a entender que o deputado do PSOL havia premeditado o cuspe e não que tivesse sido uma reação. Ambos os processos acabaram arquivados.

Carta
Leia a carta de Jean Wyllys ao PSOL:
À Executiva do Partido Socialismo e Liberdade – PSol
Queridas companheiras e queridos companheiros,
Dirijo-me hoje a vocês, com dor e profundo pesar no coração, para comunicar-lhes que não tomarei posse no cargo de deputado federal para o qual fui eleito no ano passado.
Comuniquei o fato, no início desta semana, ao presidente do nosso partido, Juliano Medeiros, e também ao líder de nossa bancada, deputado Ivan Valente.
Tenho orgulho de compor as fileiras do PSol, ao lado de todas e todos vocês, na luta incansável por um mundo mais justo, igualitário e livre de preconceitos.
Tenho consciência do legado que estou deixando ao partido e ao Brasil, especialmente no que diz respeito às chamadas “pautas identitárias” (na verdade, as reivindicações de minorias sociais, sexuais e étnicas por cidadania plena e estima social) e de vanguarda, que estão contidas nos projetos que apresentei e nas bandeiras que defendo; conto com vocês para darem continuidade a essa luta no Parlamento.
Não deixo o cargo de maneira irrefletida. Foi decisão pensada, ponderada, porém sofrida, difícil. Mas o fato é que eu cheguei ao meu limite. Minha vida está, há muito tempo, pela metade; quebrada, por conta das ameaças de morte e da pesada difamação que sofro desde o primeiro mandato e que se intensificaram nos últimos três anos, notadamente no ano passado. Por conta delas, deixei de fazer as coisas simples e comuns que qualquer um de vocês pode fazer com tranquilidade. Vivo sob escolta há quase um ano. Praticamente só saía de casa para ir a agendas de trabalho e aeroportos. Afinal, como não se sentir constrangido de ir escoltado à praia ou a uma festa? Preferia não ir, me resignando à solidão doméstica. Aos amigos, costumava dizer que estava em cárcere privado ou prisão domiciliar sem ter cometido nenhum crime.
Todo esse horror também afetou muito a minha família, de quem sou arrimo. As ameaças se estenderam também a meus irmãos, irmãs e à minha mãe. E não posso nem devo mantê-los em situação de risco; da mesma forma, tenho obrigação de preservar minha vida.
Ressalto que até a imprensa mais reacionária reconheceu, no ano passado, que sou a personalidade pública mais vítima de fake news no país. São mentiras e calúnias frequentes e abundantes que objetivam me destruir como homem público e também como ser humano. Mais: mesmo diante da Medida Cautelar que me foi concedida pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos, da OEA, reconhecendo que estou sob risco iminente de morte, o Estado brasileiro se calou; no recurso, não chegou a dizer sequer que sofro preconceito, e colocaram a palavra homofobia entre aspas, como se a homofobia que mata centenas de LGBTs no Brasil por ano fosse uma invenção minha. Da polícia federal brasileira, para os inúmeros protocolos de denúncias que fiz, recebi o silêncio.
Esta semana, em que tive convicção de que não poderia – para minha saúde física e emocional e de minha família – continuar a viver de maneira precária e pela metade, foi a semana em que notícias começaram a desnudar o planejamento cruel e inaceitável da brutal execução de nossa companheira e minha amiga Marielle Franco. Vejam, companheiras e companheiros, estamos falando de sicários que vivem no Rio de Janeiro, estado onde moro, que assassinaram uma companheira de lutas, e que mantém ligações estreitas com pessoas que se opõem publicamente às minhas bandeiras e até mesmo à própria existência de pessoas LGBT. Exemplo disso foi o aumento, nos últimos meses, do índice de assassinatos de pessoas LGBTs no Brasil.
Portanto, volto a dizer, essa decisão dolorosa e dificílima visa à preservação de minha vida. O Brasil nunca foi terra segura para LGBTs nem para os defensores de direitos humanos, e agora o cenário piorou muito. Quero reencontrar a tranquilidade que está numa vida sem as palavras medo, risco, ameaça, calúnias, insultos, insegurança. Redescobri essa vida no recesso parlamentar, fora do país. E estou certo de preciso disso por mais tempo, para continuar vivo e me fortalecer. Deixar de tomar posse; deixar o Parlamento para não ter que estar sob ameaças de morte e difamação não significa abandonar as minhas convicções nem deixar o lado certo da história. Significa apenas a opção por viver por inteiro para me entregar as essas convicções por inteiro em outro momento e de outra forma.
Diz a canção que cada ser, em si, carrega o dom de ser capaz e ser feliz. Estou indo em busca de um lugar para exercitar esse dom novamente, pois aí, sob esse clima, já não era mais possível.
Agradeço ao Juliano e ao Ivan pelas palavras de apoio e outorgo ao nosso presidente a tarefa de tratar de toda a tramitação burocrática que se fará necessária.
Despeço-me de vocês com me
G1

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