Morto depois de abordagem policial será enterrado no DF após 2 anos

Publicado em 17 de julho de 2015

enterroFamiliares do auxiliar de serviços gerais Antônio de Araújo, que foi encontrado morto em 2013 após abordagem policial no Distrito Federal, decidiram enterrá-lo no próximo domingo (19). A cerimônia ocorre 2 anos e 2 meses após o sumiço. Irmãos decidiram manter a osssada no IML até o indiciamento dos suspeitos. No dia 1º de julho, a Justiça aceitou a denúncia do Ministério Público contra dois policiais militarespor tortura e morte do homem.
Irmão da vítima, Mauricio Araújo publicou dados sobre o enterro em uma rede social, que ocorrerá às 12h no cemitério de Planaltina. “Seus restos mortais serão sepultados com a dignidade que ele merecia”, disse.
A vítima desapareceu em 27 de maio de 2013 após ser abordado por PMs da região dentro da chácara de um sargento da corporação, no Córrego do Atoleiro, no bairro Arapoanga. Os restos mortais de Araújo foram encontrados quase seis meses depois, em 21 de novembro, em uma área de cerrado do Setor Residencial Leste. Até então, o caso estava na Divisão de Repressão a Sequestros (DRS) e era tratado com “desaparecimento”. A partir daí, foi transferido para a Coordenação de Homicídios, mas sem avanços.
Passados dois anos desde a morte do auxiliar de serviços gerais, a família cobrava respostas. Com a troca de equipes na unidade especializada no início deste ano, as investigações tomaram outros rumos e os dois policiais militares acabaram indiciados no fim de maio deste ano e denunciados pelo MP.
O inquérito foi finalizado pela Coordenação de Homicídios da Polícia Civil no final de maio deste ano e, segundo as investigações, Araújo morreu após uma hemorragia interna causada por chutes pelo corpo. O laudo do Instituto de Medicina Legal elaborado no ano passado já havia indicado que a vítima teve quatro costelas quebradas e que as fraturas foram produzidas por um “agente contundente”, como “socos e chutes”, e não por queda ou acidentes.
Conforme o documento, peritos do Instituto de Criminalística analisaram tecidos de pele da área afetada pelas pancadas e concluíram que a vítima teve hemorragia. O exame histopatológico apontou ainda que as lesões internas e os traumatismos teriam ocorrido quando o homem ainda estava vivo.
Neste ano, um dos seis policiais envolvidos na abordagem também confirmou em depoimento na delegacia especializada que Antônio foi agredido fisicamente. Na denúncia do Ministério Público, Carlos Roberto e Silvano Dias foram apontados como os autores das pancadas que mataram o auxiliar de serviços gerais.
A violência teria sido cometida após os PMs terem sido acionados pelo sargento, dono da chácara onde Araújo foi encontrado durante a madrugada. Na mesma semana, ele tinha deixado o Hospital Regional de Planaltina por problemas com alcoolismo. Mas, ao localizá-lo na propriedade – acreditando que a vítima fosse bandido –, começaram agredi-lo para que ele confessasse onde estariam os supostos comparsas.
À época, Silvano Dias era cabo da PM e foi promovido a sargento. Ele e Carlos Roberto faziam parte da primeira guarnição da PM que chegou à chácara para verificar o chamado do sargento de que tinha alguém na propriedade. O policial que dirigia a viatura não teria participado das agressões, mas confirmado que elas existiram. Outra viatura com três policiais foi acionada em seguida, e eles teriam sido os responsáveis por levar Antônio até a 31ª Delegacia de Polícia (Planaltina), onde foi liberado após averiguação de que ele não tinha cometido crime.
A ossada de Antônio foi encontrada a cerca de um quilômetro da delegacia, debaixo de um pé de pequi em uma área de cerrado, mas próximo de casas. A possibilidade levantada pelos agentes da Polícia Civil é que ele tenha caminhado, embora debilitado, até o local e morrido em razão das lesões e hemorragia.

Não há evidências de que as agressões tenham sido cometidas na área onde os restos mortais de Araújo foram encontrados e nem da participação de nenhum dos três policiais da segunda guarnição.
Crise de abstinência
A delegada Renata Malafaia, responsável pelas investigações, disse que Araújo sofreu uma crise de abstinência de álcool no dia da sua morte, e que, ao decidir comprar bebida, atravessou uma chácara de propriedade do sargento da PM.
Segundo a delegada, Araújo foi vítima de uma série de erros. “Ele estava passando por uma crise de abstinência alcóolica, e por isso falava sozinho. E isso fez os policiais acreditarem que ele estava invadindo a chácara com outra pessoa.”
Renata diz que os policiais torturaram Araújo para que ele dissesse onde estava o possível comparsa. A delegada também informou que, devido às agressões, a vítima teve uma hemorragia, mas que não foi sentida pelo clima e pela abstinência.
“Era uma madrugada muito fria, e o Instituto Médico Legal esclareceu que, nessas condições, aliado à ingestão de álcool, mesmo que em pouca quantidade, o Antônio não sentia de fato as dores.”
A delegada esclareceu que a morte de Araújo aconteceu por conta das agressões, mas que os policiais não carregaram o corpo dele para o local onde depois foi encontrado.
“Depois que ele deixou a 31ª DP, ele caminhou pelo mato, o que fez acelerar a hemorragia. Tanto que ele morreu a 1,5 quilômetro da delegacia, muito perto para quem queria matar alguém e esconder o corpo.”

Os irmãos se recusavam a enterrá-lo até que houvesse uma solução para o caso. “A sensação é de dever cumprido, de que lutamos por Justiça. Saber o que aconteceu com nosso irmão era um direito nosso”, afirmou Maurício Araújo.
Os dois sargentos denunciados pelo MP tem uma ocorrência registrada em Planaltina, em 2011, por lesão corporal. O crime de tortura seguida de morte tem com pena de 8 a 16 anos de prisão, aumentada entre um sexto e um terço quando cometido por agentes públicos. Se condenados, eles podem ser expulsos da corporação. Outro processo tramita na Corregedoria da PM.

Além da investigação policial, o caso mobilizou a Comissão de Direitos da Ordem dos Advogados do Brasil e da Comissão de Direitos Humanos do Senado Federal.
O caso do desaparecimento de Antônio de Araújo se assemelha ao do ajudante de pedreiro Amarildo de Souza, ocorrido em 14 de julho, na Rocinha, Zona Sul do Rio de Janeiro. Ele nunca mais foi visto após ter sido levado por policiais em um carro da PM do Rio.
Imagens de uma câmera de segurança registraram o ajudante de pedreiro entrando em um carro da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) da Rocinha. No mês passado, o caso foi reaberto pela polícia do Rio de Janeiro.

Versões
Na época do desaparecimento de Antônio de Araújo, o delegado Leandro Ritt, da DRS, chegou a dizer que a principal hipótese a respeito do desaparecimento dele era “abandono do lar”. Ele disse que, apesar de não ter tido “comportamento de ladrão”, Araújo era uma pessoa “desorientada” por causa do alcoolismo.
“Ele tem um quadro condizente com o das pessoas que desaparecem, que simplesmente desaparecem por vontade própria. É o abandono do lar. Quem sabe ele está perdido nesse mundo afora? Muito provavelmente. Uma pessoa alcóolatra sumir, ganhar o mundo, é muito comum. É o que mais você vê”, disse Ritt para o G1 na época.
O então diretor da Polícia Civil, Jorge Luiz Xavier, compartilhava a opinião do delegado. “Parece que ele tinha algum distúrbio mental ou tendência a isso. A DRS, que está cuidando desse caso, já tentou de todo jeito. Já fizemos buscas nos IMLs da redondeza, para ver se o corpo dele apareceu em algum lugar e nada.”
No dia 28 de agosto de 2013, três meses após o desaparecimento, Xavier disse ao G1 que ainda havia dúvidas de que Araújo tenha sido levado para a delegacia, apesar da investigação da PM e da confirmação de Ritt.

“Não está claro isso. Embora exista essa declaração da família, isso não está claro, mas não foi descartado também. As viaturas aqui não têm GPS. Mas o caso dele, há grandes possibilidades de ser confusão mental e de que ele tenha saído andando por aí.”
O auxiliar de serviços gerais chegou a ser tratado como “um zé” pelo então secretário-adjunto da Secretaria de Segurança Pública do DF, Paulo Roberto Batista de Oliveira, ao afirmar que não parecia ‘lógico’ que policiais militares fossem responsáveis pelo sumiço e morte de Pereira.
“Tenho oito anos de Corregedoria e investiguei muitos PMs. Não me parece lógico, não estou dizendo que não ocorreu, que oito policiais tenham matado um ‘zé’ porque ele entrou na casa do cara”, disse.
A declaração provocou revolta na família do auxiliar de serviços. “Eles acharam que mataram um ‘zé’ e que ninguém ia atrás do ‘zé’. Mas atrás desse zé tinha alguém”, disse. “Como pode chamar meu irmão de zé? Matou meu zé, e meu zé tinha dono e agora a polícia vai ter que dar explicação para a população”, disse o irmão de Antonio, Silvestre Araújo.
Oliveira se desculpou no dia seguinte, dizendo que não tinha preconceito “contra qualquer tipo de pessoa”.
G1

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