MP revê caso e pede habeas corpus para mulher presa acusada de roubar Coca-Cola, Miojo e suco em pó de supermercado em SP

Publicado em 12 de outubro de 2021

O Ministério Público de São Paulo (MP-SP) reviu o caso da mulher que foi presa em 29 de setembro, ao furtar itens alimentícios em um supermercado da Vila Mariana, na Zona Sul de São Paulo, e ingressou com um novo pedido de habeas corpus para a liberdade da acusada. A Defensoria Pública já tinha feito um pedido, que foi negado pelo Tribunal de Justiça de SP.
A iniciativa desta segunda (11) foi da promotora Celeste Leite dos Santos, responsável pela denúncia da mulher à Justiça. Em nota enviada ao g1, a advogada da promotora afirmou que “a Promotora de Justiça já impetrou Habeas Corpus junto ao plantão judicial e também elaborou pedido de liberdade provisória ao juízo da custódia com requerimento de soltura da denunciada”.
A alegação é a de que a acusada precisa ser solta para fazer tratamento médico ambulatorial, já que é dependente química. Até a última atualização desta reportagem, o plantão judiciário não havia analisado o pedido de soltura.
Além da liberdade, a promotora pede que a mulher seja incluída em programas sociais como o Renda Mínima, o Vale Gás e o CadÚnico do governo federal, por onde é pago o Bolsa Família.
Mãe de cinco filhos, a mulher foi presa pela Polícia Militar ao furtar uma Coca-Cola de 600 ml, dois pacotes de macarrão instantâneo Miojo e um pacote de suco em pó Tang. O caso ganhou repercussão nas redes sociais pelo valor total dos itens furtados, que totalizaram R$ 21,69.
Apesar de ter afirmado que roubou os alimentos porque estava com fome, a Justiça de São Paulo negou duas vezes a liberdade para a acusada. A alegação é a de que ela é reincidente e já teve duas condenações na Justiça pelo mesmo crime de furto.
Ao rever o caso, a Promotoria argumenta que a manutenção da prisão é um “constrangimento ilegal” e que a acusada é “no mínimo semi imputável, já que por conta de sua dependência química perdeu o poder familiar de seus cinco filhos menores de idade, que atualmente estão sob os cuidados da avó materna”.
Antes, quando não tinha a informação de que a mulher era usuária de drogas, a Promotoria havia pedido à Justiça a conversão da prisão em flagrante para preventiva, por ela ser reincidente.

Condenações anteriores
No site do Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) constam dois processos em que a mulher que está presa foi condenada também por furto. No primeiro processo, ela foi sentenciada a um ano e nove meses de prisão por furto de 50 metros de fio, e a prisão foi convertida em prestação de serviço à comunidade pelo mesmo tempo da reclusão.
No segundo, foi condenada a um ano e quatro meses de prisão em regime aberto por furtar desodorantes em uma farmácia e, no mesmo dia, alimentos num supermercado. A pena também foi substituída por serviços comunitários.
Ela está detida no Centro de Detenção Provisória Feminino de Franco da Rocha, na Grande São Paulo, desde que foi presa no mês passado.

Análise inicial do MP
Ao analisar preliminarmente o caso, os promotores do MP-SP haviam denunciado a mulher e, posteriormente, pedido a prisão preventiva dela ao analisar o histórico de condenações e passagens na polícia.
Ao denunciar a acusada, a promotora natural do caso, Celeste Leite dos Santos, havia argumentado que “a Folha de Antecedentes evidencia que a denunciada faz do crime seu meio de vida e de que em liberdade fatalmente voltará a delinquir”.
Erroneamente, ao publicar a reportagem sobre o caso em 7 de outubro, o g1 citou que a promotora Celeste Leite dos Santos pediu a prisão preventiva da mulher. Na verdade, ela ofereceu a primeira denúncia contra a ré. O pedido de prisão preventiva foi feito pelo promotor Paulo Henrique Castex. A informação foi corrigida no texto no dia seguinte, às 14h (veja aqui).
No pedido de conversão da prisão em flagrante em preventiva, o promotor Paulo Henrique Castex justificou que “a custódia preventiva é uma forma eficaz de se assegurar a futura aplicação da pena, que será fatalmente frustrada caso, desde logo, não se prenda o agente”.
“Consta, ainda, que o preso é reincidente específica, de modo que a sua custódia se faz necessária para a garantia da ordem pública e evitar a reiteração delitiva (art. 313, II, CPP). Pontua-se que a reincidência é causa impeditiva para a liberdade provisória nos termos do artigo 310, § 2º, do CPP (Lei 13.964/2019)”, disse Castex.
A advogada da promotora Celeste Leite dos Santos enviou ao g1 nesta segunda-feira (11) um pedido de esclarecimento público sobre o caso, conforme segue:
“De forma equivocada e como corrigido após solicitação, o texto atribuiu à promotora de justiça Celeste Leites dos Santos o pedido de manutenção de prisão da pessoa que cometeu o crime. Como anteriormente já explicado, o erro foi consequência de interpretação sobre os documentos que chegaram à mão da reportagem. Como pode ser visto em nota à imprensa encaminhada pela área de comunicação do Ministério Público, quem atuou neste ponto específico dos procedimentos judiciais foi outro integrante do MP que participou da audiência de custódia enquanto plantonista.
O texto jornalístico omitiu também informações relevantes sobre a denunciada. Assim, a maneira como o fato foi apresentado e multiplicada em inúmeros veículos de comunicação que reproduziram o conteúdo e em mídias sociais que comentaram e marcaram os envolvidos gerou evidente amplo arco de críticas difamatórias e ataques pessoais infundados contra a promotora, a qual não pleiteou qualquer manutenção da prisão da denunciada. Portanto, cabe esclarecer que a promotora de justiça, Celeste Leite dos Santos, atua na condição de promotora natural do caso e tem adotado as medidas que a legislação permite, encontrando-se à disposição para informações nos limites legais, pois há vários pontos mantidos sob sigilo judicial”, diz a nota.

‘Furto famélico’
Segundo a Defensoria Pública de São Paulo, que faz a defesa da mulher acusada de furto, ela já deveria ter sido solta, com base no princípio da insignificância: o fato de as mercadorias terem um valor irrisório; de ter furtado para comer; e ainda ter filhos com idades de 2, 3, 6, 8 e 16 anos.
Mas a Justiça negou os dois pedidos de liberdade que a Defensoria havia feito: na primeira e na segunda instância.
Desembargadores do Tribunal de Justiça alegaram que a mulher “ostenta passado desabonador” e “dupla reincidência específica” para justificar a manutenção da sua prisão.
A Defensoria informou que pretende recorrer da decisão da prisão ao Superior Tribunal de Justiça (STJ), em Brasília. No pedido, o órgão argumenta que o STF já reconheceu antes a ilegalidade da prisão de pessoas que furtam produtos de valor irrisório para saciar a própria fome, conhecido nos tribunais também como “estado de necessidade”.
Desde 2004, existe um entendimento do STF de que casos como este devem ser arquivados, seguindo o princípio da insignificância, mesmo em casos de réus reincidentes no crime. A norma orienta juízes a desconsiderar casos em que o valor do furto é tão irrisório que não causa prejuízo à vítima.

Sentença judicial
Na primeira instância, a juíza Luciana Menezes Scorza, do plantão Judiciário, que atendeu o pedido do Ministério Público para que a prisão flagrante fosse convertida em preventiva, aceitou os argumentos do promotor Paulo Henrique Castex.
“Mesmo levando-se em conta os efeitos da crise sanitária, a medida é a mais adequada para garantir a ordem pública, porquanto, em liberdade, a indiciada a coloca em risco, agravando o quadro de instabilidade que há no país. O momento impõe maior rigor na custódia cautelar, pois a população está fragilizada no interior de suas residências, devendo ser protegidas pelos poderes públicos e pelo Poder Judiciário contra aqueles que, ao invés de se recolherem, vão às ruas com a finalidade única de delinquir”, sentenciou Scorza.
No pedido de conversão da prisão em flagrante para preventiva, o MP justificou que “a custódia preventiva é uma forma eficaz de se assegurar a futura aplicação da pena, que será fatalmente frustrada caso, desde logo, não se prenda o agente”.
Em sua sentença, em 30 de setembro, a juíza diz que deixou de converter a prisão em domiciliar por estarem “ausentes os requisitos previstos nos artigos 318 e 318-A do Código de Processo Penal”. “Embora seja genitora de quatro crianças, não há evidências de que ela é responsável por seus cuidados, sobretudo porque indicou o nome da responsável”, disse a magistrada.
Em consulta ao sistema do TJ-SP é possível verificar que, desde 2019, a acusada enfrenta processo por perda da guarda dos filhos. A perda do poder familiar dela foi confirmada em segundo grau e há recuso aguardando julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em 2018, o STF decidiu conceder prisão domiciliar a presas sem condenação gestantes ou que forem mães de filhos com até 12 anos.
Foto: André Penner/AP Photo
G1

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