Ouvida na CPI da Covid, secretária nega que governo tenha indicado cloroquina contra coronavírus

Publicado em 25 de maio de 2021

A secretária de Gestão do Trabalho e da Educação em Saúde do Ministério da Saúde, Mayra Pinheiro – conhecida como “Capitã Cloroquina” – disse nesta terça-feira (25/05) à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid que o ministério “nunca indicou medicamentos” para o tratamento da covid-19.
“Criamos um documento em que estabelecemos doses seguras para que os médicos possam indicar”, afirmou. “Nunca recebi ordens e o uso desse medicamentos não é uma iniciativa minha pessoal.”
À CPI, Pinheiro afirmou que o ministério apenas “orientou” o uso de cloroquina, mas nunca “recomendou” o medicamento. Questionada pelos senadores sobre a diferença entre as duas coisas, Pinheiro não explicou.
A médica foi quem sugeriu o desenvolvimento do TrateCov, um aplicativo com o propósito de auxiliar médicos no diagnóstico e tratamento da covid-19, segundo o ex-ministro Pazuello. Na prática, o aplicativo recomendava o coquetel de medicamentos sem eficácia indiscriminadamente, até mesmo para bebês.
À CPI, no entanto, Mayra Pinheiro afirmou que “quem criou o aplicativo foram os técnicos de sua secretaria” – como secretária, no entanto, a ordem precisaria ter partido dela para ser realizada pela secretaria.
A plataforma acabou sendo retirada rapidamente do ar após críticas, e Pazuello disse à CPI que ela foi disponibilizada indevidamente “por um hacker”, apesar de o governo ter oficialmente divulgado o TrateCov, com direito à lançamento na TV Brasil.
Pinheiro afirmou novamente à CPI que o aplicativo foi invadido, mas disse que ele não foi hackeado, e sim que “houve uma extração indevida de dados”. Pinheiro admitiu que não houve alteração no código e nos parâmetros de uso do aplicativo.
A secretária disse que o “aplicativo pode salvar vidas” e que ele foi “retirado do ar para investigação”.
O presidente da CPI, Omar Aziz, questionou: “Se esse aplicativo salvava vidas, por que ele foi retirado do ar e não foi devolvido?”.
Pinheiro está no atual cargo desde o início do governo Bolsonaro e permaneceu na pasta apesar de três trocas sucessivas de ministros durante a pandemia. Sua indicação é atribuída diretamente ao Planalto.
A médica pediatra ganhou mais projeção na gestão do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello ao se alinhar integralmente ao presidente e ao ministro a favor do “tratamento precoce” – uso de remédios sem eficácia comprovada contra a covid-19, como a cloroquina, azitromicina e ivermectina. Pinheiro não tem experiência em imunologia.
Na CPI, foi questionada sobre a alcunha de “Capitã Cloroquina”. Disse que “não tem nenhum carg ou patente militar” e como médica prefere ser chamada da Mayra Pinheiros.

Colapso em Manaus
Mayra também afirmou que foi escolhida para ir à Manaus em uma comitiva do dia 3 ao dia 5 de janeiro de 2020 por ser a secretária mais antiga nessa gestão do ministério.
Manaus sofreu em janeiro um colapso do sistema de saúde com a falta de leitos e de oxigênio nos hospitais, o que levou a um grande número de mortes. O dia 14 marcou o fim dos estoques do gás na cidade.
Pinheiro disse que, durante sua viagem, não teve informações sobre a perspectiva de falta de oxigênio da cidade.
A médica contradisse a informação dada pelo ex-ministro Pazuello sobre a data em que o ministério da Saúde ficou sabendo da perspectiva da falta de oxigênio. Ela afirmou que a informação foi dada pela empresa White Martins, que fornece o insumo, no dia 8 de janeiro. Pazuello havia afirmado à CPI que a informação chegou à ele em 10 de janeiro.
Pinheiro também afirmou que “a gente não indica tratamento precoce”. No entanto a secretária lançou o TrateCov alguns dias depois ao retornar à cidade.
Na cerimônia em que anunciou o aplicativo em Manaus, Mayra Pinheiro exaltou a ferramenta como uma forma de realizar diagnósticos rápidos no lugar do uso de testes RT-PCR.
“No período de cinco minutos, com a utilização desse aplicativo, nós poderemos ofertar imediatamente para milhões de brasileiros o tratamento precoce, evitando que essas pessoas evoluam para quadros mais graves e que elas necessitem de novos leitos já escassos em todo o país”, acrescentou.
Na ocasião, ela fez ainda um apelo a “todos os prefeitos do Estado do Amazonas” para que adotassem o tratamento precoce”.

Informações falsas na defesa da cloroquina
Desde o início da pandemia, a secretária foi ativa em defender o uso de medicamentos ineficazes contra a covid-19 e na crítica ao isolamento social.
Em entrevista concedida em abril de 2020 ao canal no YouTube da Associação Brasileira de Psiquiatria, por exemplo, ela compara a recomendação para que a população fique em casa (com objetivo de reduzir o contágio do coronavírus) à perda de liberdade de pessoas presas.
Na mesma ocasião, a secretária disse que já existiam estudos amplos e com rigor científico aprovando a eficácia da hidroxicloroquina associada à azitromicia. Pesquisas realizadas até o momento, porém, apontam justamente o contrário.
“A gente já tem estudos com 600, com 500 pacientes que mostram, (estudos) randomizados, duplo-cegos, controlados, mostrando a taxa de sucesso muito alta. Mostrando que a gente tem sim agora a possibilidade de iniciar, quando as pessoas começam a ter sintomas, iniciar o uso dessa medicação hidroxicloroquina associada à azitromicina”, afirmou na ocasião.
Estudos randomizados e controlados são pesquisas científicas em que os voluntários são distribuídos aleatoriamente em dois grupos (os que recebem o medicamento testado e os que recebem placebo). E duplo-cego significa que nem os voluntários nem os médicos sabem previamente as pessoas que tomaram cada uma dessas substâncias.
São técnicas consideradas fundamentais em pesquisas sérias. Já existem diversos estudos desse tipo que atestam a ineficácia da hidroxicloroquina contra a covid-19. Um deles é o do Recovery Trial, feito no Reino Unido. Numa análise de mais de 4.500 pacientes hospitalizados, o uso de hidroxicloroquina e azitromicina não trouxe benefício algum.
Um painel de especialistas internacionais da Organização Mundial da Saúde (OMS) concluiu, em março deste ano, que o medicamento não previne a infecção, fazendo uma “forte recomendação” para que não seja usado. Esta forte recomendação é baseada em seis estudos clínicos com evidências de alto nível que somam mais de 6 mil participantes.
Também não há evidências de que a ivermectina, fármaco usado no tratamento de parasitas como piolho e sarna, ajude no tratamento da covid-19. Os estudos disponíveis até agora são inconclusivos.
Por isso, a Agência Europeia de Medicamentos é contrária ao uso de ivermectina no tratamento da covid-19. Após revisar as publicações sobre o medicamento, a agência considerou que os estudos possuíam limitações, como diferentes regimes de dosagem do medicamento e uso simultâneo de outros medicamentos.
“Portanto, concluímos que as atuais evidências disponíveis são insuficientes para apoiarmos o uso de ivermectina contra a covid-19”, concluiu a agência.
A própria fabricante da ivermectina, a farmacêutica MSD, afirmou em fevereiro que não existem evidências de que o medicamento tivesse efeito contra a covid-19.
As empresas fabricantes de cloroquina também não pediram à Anvisa a inclusão do tratamento à CPI no rol de doenças tratadas pelo medicamento.
Foto: Reprodução Facebook / BBC News Brasil
BBC.COM

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