Presidente da Anvisa confirma reunião no Palácio pra mudar bula da cloroquina, considera medicamento ineficaz e diz que se arrependeu de ter ido a evento com Bolsonaro

Publicado em 12 de maio de 2021

O presidente da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), Antônio Barra Torres, expôs nesta terça-feira (11), em depoimento à CPI da Covid, divergências com o presidente Jair Bolsonaro em relação a métodos de enfrentamento da pandemia do coronavírus.
Barra Torres é o quarto depoente da comissão parlamentar de inquérito do Senado. Ele foi convocado para prestar esclarecimentos principalmente sobre a autorização de vacinas contra a Covid-19.
Durante a audiência, o chefe da Anvisa foi questionado sobre diversos comportamentos recentes do presidente da República — com quem disse ter “amizade” — relativos à pandemia, como provocar aglomerações em eventos públicos e criticar vacinas.

Além disso, Barra Torres afirmou
• que aguarda documentos complementares para autorização das vacinas Sputnik e Covaxin, que ainda não obtiveram o aval da Anvisa;
• que em reunião no Palácio do Planalto rejeitou pedido para alteração da bula da cloroquina, a fim de incluir a Covid como doença para a qual o remédio seria recomendado — estudos científicos já comprovaram que a cloroquina é ineficaz no tratamento da Covid;
• que se arrependeu de ter comparecido a manifestação política com o presidente Jair Bolsonaro e que não fará mais isso.

Bolsonaro
Barra Torres evitou envolver Bolsonaro nas respostas, mas evidenciou posição contrária às atitudes do presidente.
Ele chegou a demonstrar arrependimento por ter aparecido ao lado do presidente em uma manifestação pró-governo no início da pandemia, em março de 2020.
Questionado se compartilha do posicionamento do presidente contrário às medidas de distanciamento social e à utilização de máscara, Barra Torres ressaltou a “amizade” que mantém com Bolsonaro, mas disse que a conduta do presidente difere da dele.
“As manifestações que faço têm sido todas no sentido do que a ciência determina. Na última ‘live’ de que participei com o presidente, inclusive, permaneci o tempo todo de máscara, o que causou até uma certa estranheza por parte de alguns integrantes da imprensa. Então, são formas diferentes, de pessoas diferentes”, afirmou.
A atitude contrasta com o posicionamento do ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, que, em depoimento à comissão na semana passada, evitou discordar do presidente em diversos temas – por esse motivo, senadores defendem que o ministro seja novamente convocado a falar à CPI.
Barra Torres está na Anvisa por indicação de Bolsonaro. O mandato dele na agência vai até o final de 2024.
Questionado pelo senador Jorge Kajuru (Podemos-GO) sobre como reagiria diante da possibilidade de Bolsonaro ficar descontente com suas declarações à CPI, Barra Torres disse que não mudará de posição.
“Minha reação é continuar vivendo como sempre fiz. Não modifico absolutamente nada. Acho que as amizades existem para atravessar qualquer tipo de problema — se é que está havendo um tipo de problema. Da minha parte, não há o que ser mudado. Estamos trabalhando numa linha que parece ser adequada, e é nela que nós vamos continuar. Vou manter a minha conduta”, disse Barra Torres.

Aglomeração
Durante o depoimento, Barra Torres foi indagado sobre o que pensa do passeio de moto de Bolsonaro no último domingo (9), ao lado de centenas de motociclistas.
O presidente da Anvisa afirmou que não esteve no evento e opinou: “Sou contra qualquer tipo de aglomeração nesse sentido”, disse.
“Qualquer coisa que fale de aglomeração, não usar álcool [gel], não usar máscara e negar vacina são coisas que não têm nenhum sentido do ponto de vista sanitário”, acrescentou.
Ao senador Humberto Costa (PT-PE), Barra Torres respondeu “não” à pergunta sobre se concordava com a tese da “imunidade de rebanho” — segundo a qual a contaminação em massa frearia a expansão do vírus —, defendida pelo presidente Jair Bolsonaro.

Vacina
O relator Renan Calheiros (MDB-AL) relacionou algumas das declarações de Bolsonaro sobre a vacina contra a Covid-19, entre as quais a de que não compraria vacinas da China e outra na qual falou em possibilidade de alguém “virar um jacaré” se tomasse o imunizante.
Calheiros perguntou qual seria o impacto dessas afirmações do presidente da República.
“Todo o texto que Vossa Excelência leu e trouxe à memória vai contra tudo o que nós temos preconizado em todas as manifestações públicas — pelo menos aquelas que eu tenho feito e aquelas de que eu tenho conhecimento, que os diretores, gerentes e funcionários da Anvisa têm feito. Então, entendemos, ao contrário do que o senhor acabou de ler, que a política de vacinação é essencial”, disse.
“Discordar de vacina e falar contra vacina não guarda uma razoabilidade histórica, inclusive. Vacina é essencial. Então, eu penso que a população não deve se orientar por condutas dessa maneira. Ela deve se orientar por aquilo que está sendo preconizado, principalmente pelos órgãos que têm linha de frente no enfrentamento da doença”, afirmou Barra Torres.

‘Um manda e outro obedece’
Durante a sessão, o vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Rede-AP) perguntou se Barra Torres compartilhava da opinião de que a “máxima em relação ao enfrentamento à pandemia ou à vacina” tem de ser sempre a de que “um manda e outro obedece”.
O senador fazia referência à fala do ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello em outubro do ano passado, quando foi desautorizado pelo presidente Jair Bolsonaro a comprar 46 milhões doses da vacina CoronaVac em razão da origem chinesa – o que, ao fim, acabou acontecendo.
Sem tratar do episódio, Barra Torres afirmou que qualquer ação de saúde é pautada pela ciência.
“A questão hierárquica é uma outra questão. Não tem nada a ver com isso. Então, não é a minha filosofia, por exemplo”, disse.
O presidente da Anvisa também foi questionado se o presidente Jair Bolsonaro em algum momento telefonou para ele a fim de tratar do registro da CoronaVac, vacina que já havia criticado e que responde por quase 80% dos vacinados no país.
Barra Torres, que é contra-almirante da Marinha, negou o contato fazendo uma analogia com a área militar.
“No meio militar, de onde eu venho, uma das coisas que é ruim e causa irritação nos demais é aquele cidadão que quer ser alguma coisa que ele não é. Aí, começa a frequentar outros círculos, começa a emitir certos conceitos. Então, eu sempre me posicionei muito dentro da minha área de atuação. Não tenho desejo, não almejo nenhum outro lugar a não ser exatamente o lugar onde eu estou agora”, disse.

Tratamento precoce
Antônio Barra Torres opinou ainda sobre a adoção do chamado “tratamento precoce”, defendido pelo presidente. Ele manifestou posição contrária ao uso da cloroquina, remédio defendido pelo presidente e cuja ineficácia no tratamento da Covid está cientificamente comprovada.
“A minha posição sobre o tratamento precoce da doença não contempla essa medicação, por exemplo, e contempla, sim, a testagem, o diagnóstico precoce e, obviamente, a observação de todos os sintomas que a pessoa pode ter e tratá-los, combatê-los o quanto antes. Essa doença mostra que, quando ela acomete nível pulmonar, já é um pouco tarde para atuar, os resultados são muito ruins no diagnóstico de médio prazo e tardio”, disse.
O presidente da Anvisa também foi indagado se já discutiu com o presidente da República sobre a indicação de tratamento precoce contra a Covid-19.
“Não. Procuro me manter completamente fora disso”, respondeu.

Senadores elogiam
Diante das posições que apresentou à comissão, o presidente da Anvisa recebeu elogios de vários senadores, entre os quais o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), o vice Randolfe Rodrigues (Rede-AP), e os senadores Humberto Costa (PT-PE) e Tasso Jereissati (PSDB-CE).
“Vossa excelência hoje passa para o Brasil o que ciência pensa”, afirmou Omar Aziz. “O senhor tem uma formação militar, de hierarquia, de disciplina, mas acima de tudo — foi o que eu disse para o ministro Queiroga aqui — o cargo passa, mas a tua profissão vai continuar. Então, parabéns pelo seu posicionamento sobre isolamento, sobre vacina, sobre aglomeração”, complementou o presidente da CPI.
“Fiquei muito feliz por saber que existe alguém no governo – de toda sorte, a agência é vinculada ao governo – que condena a prática do presidente da República de fazer aglomerações, de andar sem máscara e de disseminar o vírus”, afirmou Humberto Costa. “Fico feliz por ter encontrado alguém nesse governo que considera que as atitudes do presidente da República são absolutamente equivocadas”, acrescentou.
G1

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