Proposta de Bolsonaro de dar imunidade a PM que mata é ‘retrocesso’, diz presidente da OAB

Publicado em 21 de outubro de 2018

O presidente nacional da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia , criticou em entrevista ao GLOBO o plano de Jair Bolsonaro ( PSL ) de dar imunidade a PMs que matam em serviço. Segundo Lamachia, o projeto de lei de Bolsonaro — que também é uma proposta de governo do presidenciável, registrada no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — é um “retrocesso”, uma “agressão” aos próprios policiais.
— Sou contra isso. Me parece que é um retrocesso e uma agressão aos próprios policiais que agem de forma correta. A investigação é importante para os dois lados. Para o policial que age de forma incorreta e para aquele policial que cumpre seus deveres. Para que se diga: “Ele agiu de maneira correta, e aconteceu esse episódio não por força de uma ação policial equivocada, e sim porque tinha que acontecer dessa maneira” — disse o presidente da OAB.
O GLOBO mostrou na quarta-feira que Bolsonaro e seu filho Eduardo Bolsonaro (PSL-SP) são autores de um projeto de lei que prevê imunidade a PMs que matam em serviço, com aplicação imediata da legítima defesa, sem uma investigação a cargo da polícia e do Ministério Público (MP), mesmo quando vítimas da ação policial forem “terceiros”. O projeto já teve urgência aprovada pelo plenário da Câmara, no fim do ano passado. Isso significa que a proposta pode ser levada diretamente a plenário, sendo necessária apenas uma maioria simples para ser aprovada.
A única ressalva feita no projeto quanto à possibilidade de investigação é em relação a casos flagrantes de que não houve legítima defesa. Mesmo assim, “em fases posteriores da persecução penal”, como consta na proposta dos Bolsonaro na Câmara.
A posição do presidente da OAB se soma a de integrantes da Procuradoria Geral da República (PGR) e da própria equipe de campanha de Bolsonaro. A PGR vai se opor à proposta , caso o candidato seja eleito presidente da República e leve adiante a ideia. Já o coordenador do subgrupo de segurança pública, dentro da equipe que dá suporte à campanha, defende que exista investigação quando houver homicídios por parte de PMs em serviço .
Para Lamachia, não há dúvidas na legislação sobre a necessidade de investigação em caso de enfrentamento entre policiais e suspeitos. A discussão que precisa ser feita é outra, segundo o presidente da OAB: necessidade de reestruturação e modernização das polícias.
— (A investigação) protege o bom policial, protege a sociedade e protege a transparência que temos de ter numa ação policial. Como é que não vai se investigar uma ação policial que deságua em morte de pessoas? Não é possível — afirmou o presidente da OAB.
O projeto de Bolsonaro já enfrenta resistência na PGR. Manifestações recentes da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, apontam a necessidade de se investigar homicídios por PMs, e no âmbito de Tribunais do Júri, ou seja, na Justiça comum, e não na militar.
Na reportagem publicada na quarta, a subprocuradora-geral da República Luiza Frischeisen, coordenadora da Câmara Criminal, disse ser contra a proposta de Bolsonaro. A câmara é um colegiado no âmbito da PGR que delibera sobre conflitos de competência a respeito da esfera de investigação de supostos crimes cometidos por militares.
— A gente é contra. A excludente de ilicitude já existe, mas depende de prova. Qualquer um pode dizer que é legítima defesa, está no Código Penal. Mas, para comprovar, é preciso ter inquérito, investigação. Ao contrário do que advogam, isso não é uma proteção aos PMs. Com a investigação, pode-se chegar à conclusão de que foi legítima defesa. O contrário disso gera desconfiança, e não apoio nas comunidades onde policiais atuam — afirmou Frischeisen.
Na campanha, o cientista político Antônio Flávio Testa faz ressalvas ao projeto do presidenciável. Ele coordena um subgrupo responsável por detalhar ideias para um plano de segurança pública, caso Bolsonaro seja eleito presidente da República. O subgrupo integra um colegiado baseado em Brasília, formado por generais da reserva e por especialistas de diferentes áreas. Para Testa, é necessário que exista “algum tipo de investigação” em casos de mortes por PMs.
— É preciso que se configure a figura jurídica da legítima defesa e que seja aplicada a legislação. Defendo que haja algum tipo de investigação. Há várias chacinas no Brasil, atuação de milícias, há muitos excessos (por parte da força policial), com ex-PMs já condenados pela Justiça — afirmou ao GLOBO o colaborador da campanha de Bolsonaro.
Em visita à sede do Batalhão de Operações Especiais da PM do Rio, o Bope, na última segunda-feira, Bolsonaro fez uma defesa ainda mais enfática do que o previsto em seu projeto de lei:
— O excludente de ilicitude não é apenas para os policiais, é para todo cidadão de bem. Isso existe na legislação americana. A gente está costurando em Brasília, lógico, partindo do princípio que vai se eleger, né? Após o cumprimento de uma missão, vocês têm que ser condecorados, não processados — afirmou o presidenciável aos PMs.
O Globo

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