TCU cita irregularidades, mas aprova com ressalvas contas de Bolsonaro

Publicado em 10 de junho de 2020

O TCU (Tribunal de Contas da União) aprovou com ressalvas, nesta quarta-feira (10), as contas do presidente Jair Bolsonaro.
A sessão foi marcada por recados políticos e alertas de irregularidades no balanço de 2020.
A aprovação foi por unanimidade. A corte é composta por nove ministros.
O relator do processo, ministro Bruno Dantas, apontou indícios de terceirização de despesas de ministérios para estatais, prática vetada pela Constituição.
Ele ainda verificou o pagamento de aposentadorias sem previsão orçamentária. Isso pode configurar crime de responsabilidade e levar à abertura de um processo de impeachment.
Braço do Congresso, o TCU tem, dentre suas funções, de enviar parecer prévio sobre as contas do presidente para servir de base à votação por deputados e senadores.
Caberá ao Congresso decidir se houve crime de responsabilidade nas irregularidades verificadas pelos auditores.
No passado, a ex-presidente Dilma Rousseff (PT) teve contas reprovadas pelo tribunal. Antes da votação pelo Congresso, sofreu um impeachment por ter usado recurso de bancos públicos no pagamento de benefícios sociais do governo.
Na votação do balanço do primeiro ano do governo Bolsonaro, os ministros do TCU seguiram o parecer do relator.
Eles enviaram alertas e recomendações ao presidente e ministros que, de acordo com os achados dos auditores, cometeram erros.
Segundo Dantas, os auditores verificaram duas infrações que se referem a manobras para a realização de gastos de forma a burlar as regras de responsabilidade fiscal.
Em uma delas -a mais grave-, o INSS (Instituto Nacional do Seguro Social) usou recursos previstos no Orçamento deste ano para arcar com R$ 1,48 bilhão em despesas do ano anterior com o pagamento de benefícios.
Na prática, a infração, segundo técnicos do TCU, configura crime de responsabilidade. Porém, diferentemente da gestão Dilma, desta vez a prática envolveu somente um órgão -o INSS- e durou cerca de 20 dias.
Sob Dilma, as irregularidades envolveram todos os bancos públicos e ao menos dois ministérios em operações de mais de R$ 100 bilhões que duraram cerca de dez meses.
O mais provável, de acordo com os auditores, é que haja, desta vez, algum tipo de punição aos gestores envolvidos no pagamento dos benefícios previdenciários.
Ex-ministro da Fazenda no governo Dilma, Nelson Barbosa postou em suas redes sociais que a decisão do TCU de aprovar com ressalvas as contas de Bolsonaro denota emprego de “dois pesos e duas medidas, confirmando o estado de exceção no qual vivemos (só contra parte da esquerda)”.
A segunda falta grave foi verificada nas despesas do Ministério da Defesa.
A pasta direcionou recursos como “aumento de capital” para a Emgepron, empresa ligada ao Comando da Marinha que gerencia projetos navais. Posteriormente, a estatal adquiriu embarcações para operarem na base de pesquisa na Antártida.
Com essa manobra, o Ministério da Defesa se livrou de R$ 7,6 bilhões em despesas em seu balanço.
Segundo Dantas, se a compra fosse realizada diretamente pela pasta, como deveria ter ocorrido, haveria impacto direto no cumprimento do teto de gastos e no resultado fiscal da União.
Esta é uma prática que os técnicos chamam de “terceirização da execução de despesas da administração direta”.
Despesas com aumento de capital de estatais não dependentes, como a Emgepron, não podem ser contabilizadas para a apuração do teto de gastos e escapam, portanto, dos limites de despesas primárias.
Essa prática fere a Emenda Constitucional 95 que, desde 2016, impede a execução de gastos públicos de um ministério ou demais órgãos da administração pública direta por meio de estatais.
Essa irregularidade, no entanto, não deve se configurar crime de responsabilidade no Congresso, segundo auditores.
O relator também destacou problemas nos compromissos assumidos pelo governo com organismos internacionais.
Em 2019, foram destinados R$ 561,3 milhões para esse custeio e as obrigações, no entanto, somaram R$ 2,8 bilhões.
“Como parte (R$ 680,8 milhões) foi destinada ao custeio de outros passivos não lastreados por Orçamento em exercícios já encerrados, cerca de R$ 1,2 bilhão de obrigações de 2019 ficaram sem o devido suporte orçamentário ao fim do exercício.”
O plenário decidiu recomendar ao ministro Paulo Guedes (Economia) uma política transparente dos gastos durante a pandemia do coronavírus para evitar a falência dos mecanismos de controle fiscal, algo que daria um recado negativo aos investidores.
“Do contrário, pagaremos uma cara ‘fatura Brasil’”, disse Dantas em seu voto.
Por isso, o plenário recomendou ao Executivo a elaboração de um plano de gestão sobre a dívida pública federal, que sinalize para a sociedade e para o mercado o montante estimado de endividamento.
Para Dantas, o Congresso autorizou uma espécie de “carta-branca” para gastos como forma de conter os danos causados pelo coronavírus, mas isso não significa, segundo ele, descontrole.
A dívida pública projetada para este ano está em 90% do PIB e deve terminar acima de 100% com uma nova rodada de socorro financeiro para evitar os estragos causados pelo vírus na economia.
A pandemia também motivou outro alerta do tribunal em relação ao descumprimento da regra de ouro, mecanismo legal que limita o crescimento dos gastos de um ano à inflação do ano anterior.
No ano passado, a União registrou receitas de operações de crédito de R$ 1 trilhão e realizou despesas de capital de R$ 871,7 bilhões.
Ou seja, a União estourou a regra de ouro em R$ 185,3 bilhões e, para isso, precisou se endividar ainda mais com autorização do Congresso, que liberou um crédito extraordinário de R$ 248,9 bilhões.
Dantas informou que essa situação de descumprimento da regra de ouro se estenderia até 2026, segundo projeções do Tesouro. Com os gastos decorrentes da pandemia, essa projeção terá de ser ampliada.
Em 2020, o governo precisará de novo aval do Congresso de, ao menos, R$ 250 bilhões para o cumprimento da regra de ouro.
O julgamento das contas de Bolsonaro ocorre no momento em que o TCU vem sofrendo ataques de integrantes de integrantes do governo.
Na reunião ministerial ocorrida no Palácio do Planalto em abril, em que diversos ministros fizeram declarações polêmicas, o presidente do Banco do Brasil, Rubem Novaes, chamou o tribunal de “central do terror” por considerar que a atuação dos auditores fere a independência do poder Executivo.
Por isso, Dantas abriu o julgamento com um posicionamento político.
“Esta corte não nasceu há 129 anos do sonho de Ruy Barbosa. Ela nasceu quando aqueles barões, numa época longínqua, numa ilha longínqua da Europa, se ergueram contra a falta de limites do déspota que os governava”, disse.
“A marcha da história e da civilização não permite que temamos as crises institucionais do século 18. Aprender com as lições do passado, cumprir as obrigações do presente e apontar o melhor caminho para o futuro é o que nos cabe fazer. Por tudo isso tenho tranquilidade em afirmar que os Poderes constituídos encontrarão o justo ponto de equilíbrio.”
Chamou ainda a atenção do relator a quantidade de processos envolvendo a Secom (Secretaria de Comunicação Social) da Presidência da República, que, sob Bolsonaro, destinou mais recursos para veículos sem grande audiências mas que estão alinhados com o governo.
Foi feita uma recomendação à Presidência para que esses gastos sejam divulgados com mais clareza ao público.
Alguns desses processos foram motivados por reportagens da Folha de S. Paulo. Em uma delas, o jornal mostrou que a Secom direcionou muito mais verba para emissoras com baixa audiência na campanha da Previdência. Record, SBT, Band e RedeTV! concentram R$ 14 milhões na segunda etapa da propaganda na TV.
A líder Globo recebeu R$ 2,6 milhões. Juntas, as quatro emissoras não alcançaram a audiência da Globo no ano passado, segundo a Kantar Ibope.
“Preocupou o risco de que o Orçamento público e o aparato estatal possam vir a ser utilizados como instrumentos de limitação à liberdade de expressão e de imprensa, por meio da distribuição de benefícios e empecilhos a veículos de comunicação em função do grau de alinhamento político-ideológico com o governo”, disse Dantas.
Foto: Ascom
FOLHAPRESS

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