Uma pergunta de difícil
Publicado em 20 de setembro de 2015Neste domingo o Evangelho nos interpela sobre a verdadeira identidade de Jesus. “E vós, quem dizeis que eu sou?” Essa pergunta que Marcos faz no seu Evangelho (cf. Mc 8, 27-35) está presente e estará na consciência de milhões de cristãos.
É lógico transpor esta pergunta para o individual e dizer “quem é Jesus para mim?” Com isso, se busca converter a pergunta em motivação pessoal. Mas, há necessidade de uma resposta coletiva, de toda a Igreja. E esse parece que é o desejo de Jesus quando perguntou a seus discípulos no caminho de Cesaréia de Filipe. Seja como for, coletiva ou individualmente, Jesus nos pergunta a todos e espera uma resposta.
O cristianismo, antes de ser uma religião, um sistema ou um corpo doutrinário, é a resposta a esta pergunta que Jesus nos dirige: “Quem sou eu para você?” Ninguém começa a ser cristão enquanto não der resposta a esta pergunta, dando prioridade absoluta à figura, obras e mensagem do Filho de Deus e colocando em segundo plano tudo o mais, que, sem duvida, é muito importante, mas que tende a embaçar a imagem do Senhor refletida na vidraça da rotina de nossas vidas.
É certo que cada um tem feito uma imagem própria do Mestre e é certo também, que muitos dessas imagens não coincidem entre si, mas existem e moldam a vida do cristão. O mal é se alguém não tem em seu coração ou em sua imaginação, nenhuma imagem de Jesus. Poderíamos quase dizer que, é preferível ter um “mal” retrato que não ter nada. O certo é que a pergunta de Jesus aos seus discípulos se mostra algumas vezes entre nós, sem resposta. É como se apenas tivéssemos uma imagem superficial ou nunca terminássemos de conhecer Jesus.
Pedro teve sorte, o Espírito lhe iluminou e lhe levou a definir quem era Jesus: “Tu és o Cristo” (v. 29). Mas o que quer dizer “Messias (hebraico) Cristo (grego)”? Esta palavra tornou-se uma espécie de sobrenome de Jesus. Mas não é nada disso. O próprio Pedro, mal conhecia o que em verdade, vinha a ser o Cristo ou o Messias, quis separar a pessoa de Jesus de sua vocação ou missão e recebeu do Mestre o pior apelido: ”Satanás, porque não pensas as coisas de Deus, mas as dos homens”. (v. 33)
Também conosco pode acontecer o mesmo. Porque se verdadeiramente tivéssemos em nossa alma e em nossa mente a definição verdadeira de quem é Jesus, não nos distanciaríamos dele, dando, tantas vezes, prioridade a tantas coisas absurdas deste mundo.
Pedro e os contemporâneos de Jesus não compreendem a verdadeira personalidade e a missão de Jesus, o vêem em continuidade com o passado. Não captam a sua novidade e a sua originalidade. Ele é como “um dos profetas”. (v. 28) Reconhecem apenas que Jesus é um homem convocado por Deus e enviado ao mundo com uma missão, como os antigos profetas. Mas, não vão, além disso.
Também hoje são inúmeras as pessoas que vêem Jesus como “um homem bom”, atento aos sofrimentos dos outros, que sonhou com um mundo diferente; outros vêem em Jesus um “mestre”, que tinha uma proposta de vida interessante, mas que não conseguiu impor os seus valores; alguns vêem em Jesus um “líder”, que acendeu a esperança das multidões carentes; outros ainda vêem-no como “um revolucionário”, preocupado em construir uma sociedade mais justa, que procurou promover os pobres e os marginalizados e que foi eliminado pelos poderosos, preocupados em manter o “status quo”. Mas, todas estas visões apresentam Jesus como “um homem excepcional”, que marcou a história. Jesus foi apenas “um homem” que deixou as suas marcas na história, como tantos outros? “E vós, quem dizeis que eu sou?” (v. 29)
Pergunta que deve ecoar nos nossos ouvidos e corações. Porém, responder a esta questão não significa repetir antigas lições do catecismo ou recorrer aos volumosos tratados de Teologia e Cristologia, mas sim interrogar o nosso coração e tentar perceber qual é o lugar que Cristo ocupa em minha vida. Levar Jesus a sério. Não bastam belas respostas, teologicamente corretas, é preciso identificar-nos com sua causa, a causa do Reino, renunciando aos projetos ou planos que se opõem a este plano de fazer um mundo mais humano, digno e feliz.
A realidade é que poucos homens e mulheres tiveram o trabalho de dar resposta às grandes perguntas da vida. É possível que muitas pessoas “religiosas” passem a maior parte da vida sem nunca ter feito esses questionamentos, ainda que, talvez, se tenham feito várias vezes outras perguntas que eu chamaria secundárias. Provavelmente refletiram sobre alguns dogmas ou invocações da Virgem Maria, a vida e milagres de santos e santas, ou as virtudes do santo fundador da ordem ou movimento a que pertençam, mais intensamente que a mesmíssima e necessária pergunta em torno da figura de Cristo em suas vidas.
Reconhecer Cristo, a radicalidade de sua opção a favor dos mais pobres, seu sentido de pobreza evangélica, seu desprendimento total pelas questões econômicas, seu afastamento de qualquer jogo político, tudo isso surpreendem demasiadamente a muitos de nossos irmãos. Eu conheço muitos fieis cumpridores de suas obrigações religiosas que falam de Deus, suponho que seja o Deus-Pai; da Virgem Maria; de alguns santos e nunca falam de Cristo, de Jesus de Nazaré. Também para outros, Cristo está presente uma vez por semana, ou, inclusive todos os dias, pela Palavra escutada na celebração eucarística, mas sem deixar demasiados rastros. Escutam-se essas histórias queridas, estranhas, belas, do Evangelho, mas ficam entre as quatro paredes da Igreja, sem sair desses limites, e sem levá-las gravadas no coração. Talvez, as celebrações do Natal e Semana Santa aproximam um pouco mais da figura de Cristo, mas “outros valores constantes” seguem tendo prioridade. Estou exagerando? Acredito que não. Examinemos um pouco e veremos que é assim.
Aprendamos a conhecer mais e melhor a Jesus. Preocupemos-nos de meditar sua Palavra. De avançar pelos caminhos que Ele nos propõe. Além de responder quem é Jesus para mim, temos que responder outra pergunta: Queremos segui-lo? Estou disposto a entregar-me, a carregar sua cruz? Mais uma vez a resposta deve ser pessoal. E o Senhor espera essa resposta de cada um de nós.
Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.