O EVANGELHO INCLUI, NÃO EXCLUI NINGUÉM

Publicado em 4 de outubro de 2015

Hoje Jesus continua a nos ensinar. Marcos reuniu em seu Evangelho (cf. Mc 9, 38-48) um conjunto do “ditos” de Jesus. Na verdade Marcos apresenta a realidade da comunidade cristã com seus conflitos, tensões e limitações internas.
A primeira coisa que nos chama atenção é que a comunidade cristã primitiva e já antes a comunidade judaica do deserto estão marcadas pela limitação e imperfeição. É evidente a intolerância exclusivista no que diz respeito a quem não pertence ao próprio grupo seja por parte de Josué (cf. Nm 11,25-29) seja por parte do Apóstolo João.
Moisés recebeu do Senhor, a ordem de transferir parte de sua graça espiritual a setenta anciãos para que lhe ajudassem a instruir e governar o povo, porém dois que não estavam presentes neste ato receberam assim mesmo o dom do Espírito e começaram a atuar com aqueles outros. Josué que tinha um caráter impetuoso como o de João, pediu a Moisés que aqueles dois deixassem de profetizar: “Moisés, meu senhor, proíbe-os!” (Nm 9,28). A resposta da Moisés foi magnífica: “Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta dando-lhe o Senhor o seu Espírito!” (Nm 11,29)
Quem dera que todo o povo de Deus profetizasse! Este profetismo que Moisés sinaliza está bem desenhado pelo Concílio Vaticano II, pondo em relevo a condição profética de todo o Povo de Deus, de todos os cristãos batizados. Somos um povo de Profetas. O que o Senhor fez, retirando uma parte do Espírito que estava em Moisés tem plena realização no nosso Batismo. É-nos comunicado o Espírito de Deus em Jesus Cristo de modo que todo cristão tem esta condição já que participa da missão profética de Jesus, como membro do seu Corpo Místico, sua Igreja.
O Espírito Santo vai para onde quer e não é patrimônio, nem exclusividade de ninguém. “O Espírito sopra onde quer” (Jo 3,8). “Certamente Deus escolheu, tanto no Antigo como no Novo Testamento, instrumentos para se manifestar; quis instituições que fossem lugar de encontro e de ação privilegiada de seu Espírito; mas não se amarrou a eles, não concedeu em monopólio e em contrato seu Espírito a ninguém, mesmo porque a liberdade de Deus é tal que nenhuma realidade criada a pode expressar inteiramente ou gerenciar. Isto impõe também hoje aos discípulos de Jesus grande respeito e tolerância.” (Raniero Camtalamessa)
Na aurora da comunidade cristã, vendo como os discípulos de Jesus usavam a força do seu nome para a cura e outros sinais, (At 3,6.16; 4,10) milagreiros e exorcistas não cristãos, tentavam usar esse mesmo nome em seus “trabalhos”. Em nome da comunidade João impede que um desconhecido exorcista use o nome de Jesus. Por ser discípulo, ele pensava ter o monopólio desta “marca” e, por isso, proibiu que outros a usassem para fazer o bem. Esta é uma mentalidade fechada e sectária dele. Jesus responde: “Não o impeçais, pois não há ninguém que faça milagre em meu nome e logo depois possa falar mal de mim. Porque quem não é contra nós é por nós” (Mc 9,39-40).
Procuremos entender o ensinamento da Jesus corrigindo nossa intolerância e a tentação de monopolizar de maneira sectária o nome de Jesus. Nenhum grupo humano por mais elevado que seja tem a exclusividade e o monopólio de fazer o bem.
Quando encontramos pessoas dispostas a fazer o bem, que exorcizam o mal e as injustiças de nossa sociedade, mas não são expressamente cristãs, estes são dos nossos ainda que não sejam “dos nossos”, pois é claro que não estão “contra nós”. São os “cristãos anônimos”, pessoas solidárias e implicadas em organizações humanitárias que lutam contra a exclusão que sofrem milhões de pessoas no mundo. Não as impeçamos de aturar, somemos nossas forças às suas, nossos projetos aos seus, para fazer um mundo mais humano. Também eles colaboram na construção do Reino de Deus.
O bem sempre é obra de Deus. Todos os esforços na luta pela libertação e pela dignidade humana, onde quer que seja, nos fala do amor de Deus pela humanidade e de sua ação libertadora frente às vitimas do ódio, do preconceito, da exploração, da exclusão, do desprezo, da discriminação injusta e da falta de amor.
Para Jesus as relações intra-eclesiais, teem que reger-se pelo mandamento do Amor. A caridade pastoral, esse amor-serviço se expressa nas pequenas coisas, ou até insignificantes, do dia a dia, como por exemplo: “quem vos der a beber um copo d’água por serdes de Cristo… não perderá a sua recompensa” (Mc 9,41). Qualquer ato, qualquer gesto, por menor que seja, não ficará sem recompensa, porque sempre será o sinal do seguimento de Cristo e do amor de Deus, uma mediação na implantação do seu Reino.
Pensemos em tantas obras assistenciais ou caritativas da Igreja ou das comunidades cristãs, para muitos o único sinal visível da presença de Deus na Igreja institucional. È certo que é como “um copo d’água”, é bem pouco, quase nada, talvez por isso mesmo é sinal, algo aparentemente sem importância mas não carente de valor. Daí porque Jesus escolheu como exemplo demonstrativo, porque nosso Deus se ocupa das necessidades aparentemente pequenas ou insignificantes de seus filhos e filhas.
Outra forma de viver a caridade é evitando o escândalo. Por amor ao irmão se deve estar disposto a acabar com qualquer coisa que o possa prejudicar. Jesus fala do mal, nos advertindo da força do mal sempre possível em nós: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que crêem, melhor seria que lhe prendessem ao pescoço a mó que os jumentos movem e o atirassem ao mar”. (Mc 9, 42).
“Escândalo” etimologicamente significa a colocação de uma pedra como obstáculo para impedir a passagem, portanto fazer tropeçar, ocasião de queda ou obstáculo. Escandalizar os pequenos é ser motivo para que eles se desviem do caminho e percam a fé em Deus. Quem faz isso, recebe como sentença, um castigo romano terrível: Afogar o escandalizador. Por que tanto rigor?
Porque Jesus se identifica com os pequenos! (cf. Mt 25,40.45), se põe ao seu lado, no seu lugar e assume sua defesa. Quem os toca, toca nele, “o que fizestes a um desses meus irmãos mais pequeninos, a mim o fizestes” (Mt 25,40).
Ouvimos hoje três importantes exigências de conversão para os que estão fora ou dentro da comunidade cristã. Em muitas pessoas e grupos existe a tendência para o “gueto dos puros”, de se fechar em si mesmos como se fossem os cristãos, melhores que os outros. São três recomendações que têm toda atualidade: Não ter a mentalidade fechada ou sectária, mas sim uma atitude aberta, tolerante, de inclusão, capaz de reconhecer o bem fora da comunidade, nos outros, mesmo que sejam de outro grupo religioso; Superar a mentalidade daqueles que se consideram superiores aos outros, e que, por isso, desprezam os pequenos e pobres e se afastam da comunidade; Finalmente, não escandalizar os pequenos, faz-nos pensar na forma como lidamos, enquanto pessoas e enquanto comunidades com os que falharam, os que têm atitudes moralmente reprováveis, aqueles que têm uma fé pouco consistente, aqueles que a vida marcou negativamente, aqueles que a sociedade marginaliza e rejeita… Eles encontram em nós a atitude acolhedora e libertadora de Cristo?
Vivamos a radicalidade do Evangelho.

Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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