Rever nossa relação com dinheiro
Publicado em 18 de outubro de 2015A Palavra de Deus que é viva e eficaz (cf. Hb 4,12-13), coloca-nos hoje perante um tema de atualidade embaraçosa, e ao mesmo tempo de grande complexidade: o cristão em face da riqueza.
Nos Evangelhos, como o texto de Marcos deste Domingo (cf. Mc 10,17-30) prevalece, de fato, um juízo cristão negativo ante a riqueza, vista como impedimento ao seguimento de Cristo.
Um desconhecido às pressas se aproxima de Jesus para resolver seu problema: “Que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (Mc 10,17) Aparentemente o homem não tem maiores problemas, é rico, tudo está bem, tinha boa vontade e inquietação para ser cada vez melhor, para alcançar metas mais altas.
Aspirava nada menos que conquistar a vida eterna. Nisto já é um exemplo para cada um de nós, às vezes, tão conformistas, tão aburguesados, tão acomodados, tão dados a não querer complicar-nos a vida. Não nos enganemos e despertemos de nosso cômodo cochilo e da nossa mediocridade sem cor.
O desconhecido quer mais, seu espírito sonha voar alto, chegar à perfeição. Ao vê-lo tão entusiasmado. Jesus olha-o com amor. O Senhor gosta de corações apaixonados, capazes de grandes sonhos, de projetos impossíveis e ilusões juvenis; espíritos com ar desportivo que lutam por chegar ao mais acima possível no itinerário até Deus.
Depois lastimará que este rapaz tenha voltado atrás no momento decisivo quando lhe propôs: “Só uma coisa te falta: vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terás um tesouro no céu.
Depois vem e segue-me” (Mc 10,21). Seu olhar claro e luminoso se ofuscou, seu coração jovem logo envelheceu. Aquele entusiasmado homem correndo até Jesus ficou parado em seu caminho, se retirou entristecido.
Não se sente capaz, precisa de bem-estar. Não tem forças para viver sem sua riqueza. Seu dinheiro está acima de tudo. Desiste de seguir Jesus, a dar passos para uma vida mais sóbria e partilhar com os necessitados.
O que talvez tivesse sido outro discípulo amado, outro apóstolo apaixonado e valente, ficou marcado nesse personagem triste que disse não ao chamado de Deus. Ele será para sempre o protótipo de uma vocação frustrada.
Também hoje Jesus passa por nossas ruas, também hoje muitos correm atrás dele com o coração carregado de ilusões e de bons desejos. Como o assim chamado “jovem rico” do Evangelho, alguns ficam para trás quando ouvem a voz do Senhor que os chama a uma vida abnegada e generosa, ficam tristes e aborrecidos, agarrados a essas riquezas caducas que não lhes servirão.
“Que devo fazer para ganhar a vida eterna?” (Mc 10,17) Essa é uma pergunta que cada vez menos pessoas fazem no mundo atual, em que parece que interessa mais o imediato que o distante, o “das telhas para baixo” que os assuntos do céu.
O “jovem rico” pelo menos tinha curiosidade e preocupação em como alcançar o Céu. Hoje, jovens e nem tão jovens, ricos e bem protegidos pelo bem-estar material não se colocam sobre o que fazer ou do que desfazer-se para herdar a vida eterna.
O afã de ter, a sedução que produz o dinheiro nos tem isolado de tal maneira de Deus que, sinceramente, preferimos oferecer ao Senhor, como muito, um pouco de nosso tempo, ou, de vez em quando um punhado de moedas contribuindo com a Igreja que nos chama a algo mais, a seguir Jesus e com ardor missionário.
Não podemos enganar-nos a nós mesmos, cedo ou tarde, temos que fazer-nos esta pergunta: Que fazer para possuir a “Vida” autêntica? Dizem para nós ou dizemos a nós mesmos: aproveita o que puderes, enriquece-te o mais rápido possível, não te preocupes com nada, vive o presente. Que ingênuo pode parecer Jesus para muitos homens e mulheres de hoje que pensam assim!
Jesus nos diria hoje o mesmo que disse àquele jovem: “Uma coisa te falta…” É curiosa a reação da pessoa que pergunta a Jesus, jovem ou velho dá no mesmo, pois trata de justificar que tem cumprido todos os mandamentos desde pequeno.
Nós poderíamos dizer algo parecido: sim, desde pequeno tenho ido à missa, tenho cumprido religiosamente minhas obrigações com a Igreja, guardei o jejum e a abstinência…
“Uma coisa te falta…” E aquele jovem se dá conta de que não é feliz, apesar de toda sua riqueza, falta-lhe uma coisa, algo que encha sua vida de verdade e comece a desprender-se de tudo o que lhe sobre e no fundo lhe pesa. E descobre que se pode ser feliz de outra maneira, “desprendendo-se” de toda a carga material que leva.
Só assim ficas leve de tanta bagagem para seguir Jesus. Está claro no evangelho: “Vai, vende tudo o que tens, dá aos pobres e terás um tesouro no céu.” (Mc 10,21) Aquela pessoa se foi triste porque lhe custava muito deixar seus bens, o mesmo que a nós custa dar-nos conta de que estamos metidos em uma teia de aranha, o consumismo, do qual nos é muito difícil sair.
“Como é difícil para os ricos entrar no Reino de Deus!” (Mc 10,23) Isso que Jesus disse é tão válido hoje para nós, como o era para os seus discípulos.
Porque, em nossa sociedade atual, o dinheiro é o meio para conseguir quase tudo o que temos e queremos ter: o bem-estar, a casa, o carro, a roupa que vestimos, as viagens que fazemos, os pequenos prazeres que nos damos…
Não são só os ricos que amam o dinheiro, igualmente os pobres. Os ricos, porque não querem perder o que teem, os pobres porque querem conseguir o que não teem.
Jesus deixa claro que é muito difícil conciliar riquezas e Reino de Deus. E não porque os bens materiais sejam maus em si, os judeus até acreditavam que eram sinais da bênção de Deus, mas sim porque muitas riquezas são obtidas por meios injustos, ilícitos ou frequentemente convertem a pessoa em “escravo” do dinheiro, insensível à miséria em que vive grande parte da humanidade.
Fez falta ao “jovem rico” a sabedoria para abandonar suas riquezas e seguir a Jesus. O dinheiro não é um bom ingrediente para os seguidores de Cristo. O culto ao dinheiro é idolatria e é fácil ver as pessoas torturadas por seus desejos de riqueza.
O dinheiro também modifica vontades e em nossos tempos parece que tudo se pode comprar com dinheiro. É preciso pedir ao Senhor sabedoria, saber discernir sobre o valor da riqueza ou da pobreza.
Temos que aprender a pedir ao Senhor o que mais nos convém, o que na verdade é melhor para nós. Às vezes ou sempre, pedimos somente coisas materiais, ou coisas que duram pouco: o sucesso nos negócios, sorte na loteria, saúde para o corpo, uma vida confortável.
Coisas que são boas, sim, mas que não são as mais importantes, nem as mais necessárias. Coisas que ficam no material, sem levar em conta as exigências do espírito. Coisas que nos distanciam do Senhor.
Com o sábio da Bíblia (cf. Sb 7,7-11), peçamos ao Senhor, que nos conceda a sabedoria, dom do Espírito Santo, que nos faça viver de outro modo. Mais conscientes do valor relativo que tem as coisas materiais.
Persuadidos de que uma só coisa é necessária, imprescindível e definitiva: viver e morrer plenamente nossa fé de cristãos, esta aventura fabulosa de amar o Senhor sobre todas as coisas, e de amar-nos sinceramente uns aos outros. Senhor concede-nos sabedoria.
Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.