O Domingo do Amor

Publicado em 12 de outubro de 2015

Hoje mais uma vez Jesus nos fala de amor. O amor conjugal, o matrimônio entre homem e mulher, que proclama indissolúvel e outro tipo de enlace, o “casar-se” e “fazer-se uma só carne” com a humanidade sofredora, simbolizada pelas crianças que ele as abraçava e abençoava (cf. Mc 10,2-16).
O amor humano sempre foi abençoado por Deus. Deus eleva este amor a um nível verdadeiramente divino. A união do homem e mulher é abençoada e santificada por Deus. No matrimônio, tanto o homem como a mulher “são uma só carne” e, portanto, busca sempre um a felicidade do outro. Um já não se perguntará se “eu sou feliz”, mas sim se “estou fazendo feliz ao outro”.
Alguns fariseus perguntaram a Jesus se era permitido ao homem divorciar-se de sua mulher. Jesus perguntou o que Moisés ordenou. Os fariseus responderam que Moisés permitiu o divórcio. Jesus então disse “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés vos escreveu este mandamento. No entanto desde o começo da criação Deus os fez homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e os dois serão uma só carne. Assim já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu o homem não separe!” (cf. Mc 10,2-9)
Segundo o livro do Deuteronômio (Dt 24,1-4) o homem podia dar uma carta de divórcio a sua mulher e casar-se com outra. Jesus reconhece esta situação, mas a considera como uma concessão provisória à obstinação dos israelitas. Na realidade essa passagem não permitia o divórcio. Simplesmente tinha presente o costume introduzido por alguns e procurava impor umas regras para evitar maiores abusos. Quer dizer, esse texto é antidivorcista, apesar de tolerá-lo.
Ainda admitindo outro sentido a essa passagem veterotestamentária, Jesus o revoga com clareza e recorre à originalidade primeira, à vontade primeira de Deus que determinou que o homem se unisse para sempre à mulher, com um nó que só a morte poderia romper. “O que Deus uniu que não separe o homem”. É uma sentença tão concisa e clara que não é possível admitir concessões.
Este famoso texto do evangelho também tem muito a ver com a defesa dos direitos da mulher. No tempo de Jesus os direitos da mulher no matrimônio, e na vida, eram praticamente nulos: o homem podia despedir a mulher dando-lhe um libelo de repudio facílimo de conseguir, coisa que a mulher não podia fazer. Jesus não cai na armadilha legalista que lhe preparam os fariseus e trata de igualar os direitos da mulher com os direitos do homem. Uma vez mais, Jesus supera e vai muito mais além do cumprimento legalista da lei de Moisés, tal como a entendiam muitos fariseus. É bom que também nós aprendamos de Jesus a superar certas armadilhas legalistas, quando o que se trata é defender as pessoas socialmente mais desamparadas.
Nunca como hoje, se fala tanto do amor. Poesia e músicas, filmes e programas de TV, veiculam a sofrente realidade do amor. Porém nunca como hoje, o amor tem sido tão banalizado. Podemos nos perguntar: É autêntico este amor? É amor levado até as últimas consequências? É amor de coração ou apenas da telinha? É amor de vitrine ou amor que busca o bem do outro? É amor que se dá ou um conto ou romance que se vende?
Quais as qualidades deste amor? È um amor que toma a iniciativa. Não espera que o outro dê o primeiro passo. Lança-se primeiro. É compreensivo, desculpa, crê e espera sem limites. Sabe perdoar porque não busca o próprio interesse, mas sim o do outro. É capaz de dizer “perdoa-me!” e “te perdôo, porque querer-te de mais”. Um amor pessoal que leva a aceitar o outro como é, sem pretender mudá-lo, nem dominá-lo, nem anulá-lo. Que quer a realização do outro sem escravidões, buscando todo momento seu bem. Um amor total que põe em jogo tudo o que somos. O amor que se dirige a pessoa toda, não só ao corpo, de tal maneira que mesmo a relação sexual se converte na forma privilegiada de amor e entrega ao outro, pois amar é dar-se. Cada um se oferece ao outro, todo seu carinho para fazer feliz ao outro.
O Papa Francisco, ao simplificar os aparentes custos ou trâmites daqueles que pedem à Igreja a declaração da nulidade do seu matrimônio, pode ter levado algumas pessoas a pensar que a instituição matrimonial está em crise e a Igreja agora vai admitir o divorcio. Nada mais distante da realidade. O Santo Padre disse recentemente: “Os que pensam no divórcio católico estão equivocados”. É que uma coisa é simplificar e outra, muito diferente é destruir. O que se simplifica é porque, talvez em sua origem, não estava bem e, portanto nunca existiu. Difícil de compreender, mas é assim.
Nunca como hoje se fala das situações que não chegaram a bom termo, casamentos fracassados, mas há uma grande maioria de casais que com muito esforço, perdão, renuncia, generosidade, compreensão, levam adiante aquele compromisso que fizeram “para sempre”, há 25, 50, 60, 70 ou mais anos de vida matrimonial. Não é justo não reconhecermos a gratuidade de tantas pessoas e também por que não, nosso acolhimento, nossa compreensão e oração com essa outra parte que por diversas razões fracassaram no amor?
Por que tanto fracasso? Por que tantas dúvidas? Por que tantas rupturas? Por que tantos medos de unir-se, quando sabemos, que na união está a fonte da felicidade? As razões são variadas e de caráter diverso, mas um matrimônio, não é só um simples vínculo jurídico: tem de estar soldado e garantido pelo amor. Exclusivamente pelo amor conjugal. Se falha esse elo, se rompe a corrente. Ou pode ficar apenas sustentado num puro e simples artifício.
Mas, atrever-se a fazer-se “uma só carne” com “o outro” o que significa isso? É só aplicável ao matrimônio? Só é legitimo entregar-se desta maneira radical pelo casal ou pela família? Quando duas pessoas contraem matrimônio é lógico e simples pensar numa só carne. E esta experiência é bela e grande.
Mas, por esta mesma razão, já que todos estamos convencidos de que a experiência de viver “em comum” é algo bom na vida por que tender a restringi-lo ao âmbito do casal ou da família? Por que não imaginar que Cristo nos convida ao desafio de levar vidas humanas conjugadas, grupais, incorporadas umas às outras?
Somos chamados a criar grupos humanos que se guardam fidelidade, lealdade e, sobretudo, que se fazem carne com todo aquele ou aquela que sofre. Coletivos de pessoas que velam pela felicidade de outras pessoas, que se querem e caminham enamorados de mãos dadas com os preferidos de Deus, “até que a morte os separe”. Grandes e generosas pessoas que decidem “casar-se” e “fazer-se uma só carne” com a humanidade sofredora. Presenças que atualizam sérias e longevas “promessas de amor eterno” com os marginalizados do mundo. Militantes resistentes, tenazes, que não se envergonham de chamar o outro de irmão. Lutadores incansáveis da justiça social. Esta é a proposta, outra forma de “enlace” que o Senhor também nos propõe.
Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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