Bolsonaro repete mentira sobre urnas, diz que aceitará resultado das eleições ‘desde que sejam limpas’ e defende aliança com Centrão

Publicado em 23 de agosto de 2022

O presidente Jair Bolsonaro, candidato pelo PL à reeleição, repetiu nesta segunda-feira (22), em entrevista ao Jornal Nacional, suspeitas mentirosas sobre as urnas eletrônicas. Ele também disse que aceitará o resultado das eleições, “desde que sejam limpas”, e defendeu a aliança com o Centrão.

O presidente também afirmou:
• que usou uma “figura de linguagem” da literatura quando disse que quem tomasse vacina poderia virar “jacaré”
• que a relação com o ministro Alexandre de Moraes, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), “pelo que tudo indica”, está “pacificada”
• que seus apoiadores fazem uso da “liberdade de expressão” quando pedem para fechar o Congresso
Bolsonaro foi o primeiro candidato a participar da série de entrevistas do JN. Os próximos serão Ciro Gomes (PDT), na terça-feira (23); Luiz Inácio Lula da Silva (PT), na quinta-feira (25); Simone Tebet (MDB), na sexta-feira (26).
Foram convidados os cinco candidatos mais bem colocados na pesquisa divulgada pelo Datafolha em 28 de julho. André Janones (Avante), que estava entre os cinco, retirou a candidatura.
Um sorteio realizado em 1º de agosto com representantes dos partidos definiu as datas e a ordem das entrevistas.

Compromisso com as eleições
Questionado se assumiria em rede nacional um compromisso de respeito ao resultado das urnas, Bolsonaro disse: “Seja qual for [o resultado das urnas], eleições limpas devem e têm que ser respeitadas. Limpas e transparentes tem que ser respeitadas”.
O presidente repetiu suspeitas mentirosas sobre as urnas eletrônicas e o sistema eleitoral. Os ataques de Bolsonaro já foram desmentidos por autoridades oficiais e especialistas.
“Em 2014, tivemos eleições. No segundo turno, o PSDB duvidou da lisura das eleições e contratou uma auditoria. A conclusão da auditoria do PSDB: as urnas são inauditáveis”, disse o candidato. Mas, ao contrário do que ele afirma, as urnas são auditáveis e seguras.
Bolsonaro também repetiu que um hacker atacou o sistema do TSE em 2018. A ação do hacker, de acordo com as autoridades, não afetou de nenhuma maneira a contagem dos votos ou a segurança das urnas.
“Vocês, com toda certeza, não leram o inquérito de 2018 da Polícia Federal, que inclusive está inconcluso. É aquela pergunta que eu sempre faço: se você pode colocar uma tranca a mais na sua casa para evitar que ela seja assaltada, você vai fazer ou não? Então esse é o objetivo disso que eu tenho falado sobre o Tribunal Superior Eleitoral”, argumentou o candidato.

Relação com o presidente do TSE
Bolsonaro também lembrou que o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, tem uma reunião com o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, para tratar da segurança das urnas eletrônicas. As Forças Armadas, junto com o TSE e outros órgãos, compõem a comissão que fiscalizam as urnas.
“Teremos eleições. O ministro Moraes acabou de assumir. Amanhã ele tem encontro com o ministro da Defesa para tratar de transparência. Tenho certeza que vão conversar e chegar a um bom termo. Precisei provocar. Pode ficar tranquilo. Terão eleições limpas e transparentes no corrente ano”, afirmou Bolsonaro.
Questionado sobre os repetidos ataques contra o sistema eleitoral e ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), Bolsonaro disse num primeiro que nunca havia xingado um ministro.
Depois, confrontado com o fato de ter chamado Alexandre de Moraes de “canalha”, afirmou que usou essa palavra porque “a temperatura subiu” em dado momento do ano passado. Segundo Bolsonaro, “pelo que tudo indica”, a relação com Moraes agora está “pacificada”.
Moraes é relator dos inquéritos das fake news, que investigam a disseminação organizada de informações falsas pelas redes sociais, e dos atos antidemocráticos, que investigam manifestações de rua que atacam as instituições do Estado de Direito. Bolsonaro é investigado no das fake news por causa dos ataques às urnas.
“As medidas que vinham sendo tomadas por esse ministro eram contestáveis. Lá atrás, inclusive, a procuradora Raquel Dodge deu um parecer para que esse inquérito deixasse de existir, e continua existindo. A temperatura subiu. Hoje em dia, pelo que tudo indica, está pacificado. Espero que seja uma página virada”, disse Bolsonaro.
Ele citou a posse de Moraes na semana passada, evento que reuniu autoridades, ex-presidentes da República e o próprio Bolsonaro.
“Até você deve ter visto, por ocasião da posse do senhor Alexandre de Moraes, um certo contato amistoso nosso lá. E pelo que tudo indica, está pacificado. E quem vai decidir essa questão de transparência ou não serão, em parte, as Forças Armadas que foram convidadas para participar da Comissão de Transparência Eleitoral”, completou.

Pandemia
Outro tema da entrevista foi a postura de Bolsonaro e do governo federal diante da pandemia de Covid.
O Brasil é o segundo país do mundo que mais registrou mortes pela doença: 682.746 vítimas até a noite desta segunda-feira.
Bolsonaro foi lembrado de declarações em que desestimulou a população a tomar vacina. Em uma delas, disse que a pessoa poderia virar “jacaré”. Na entrevista, o candidato se justificou: afirmou que usou uma “figura de linguagem”.
Ele disse também que o governo não aceitou as primeiras ofertas da farmacêutica Pfizer para vender vacinas ao Brasil porque a empresa não se responsabilizava por eventuais efeitos colaterais. Outros países compraram o imunizante e receberam remessas na frente do Brasil, que poderia ter recebido com antecedência.
“A questão da Pfizer, no contrato estava escrito ‘não nos responsabilizamos por qualquer efeito colateral’. Outra coisa, a Pfizer não apresentou quais seriam os possíveis efeitos colaterais. Daí eu usei uma figura de linguagem ‘jacaré'”, disse o presidente.
Questionado sobre a demora do governo federal para adquirir imunizantes contra Covid-19, Bolsonaro afirmou que não tinha vacina no mercado.
O presidente então foi relembrado que a Pfizer ficou 93 dias esperando resposta do Ministério da Saúde sobre uma oferta de doses para o governo brasileiro.
Além disso, Bolsonaro, em outubro de 2020, anunciou em vídeo ao lado do então ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que estava mandando suspender a compra da CoronaVac, outro imunizante contra a doença.
O presidente foi indagado se as declarações que fez durante a pandemia, como a ocasião em que respondeu “e daí? Não sou coveiro”, ao comentar a quantidade de mortes por Covid.
Ele também foi questionado quando imitou uma pessoa com falta de ar, simulando os sintomas da Covid.
Bolsonaro disse que os gestos poderiam ser interpretados como uma falta de compaixão com as pessoas próximas às vítimas. Ele foi questionado se tinha arrependimento por essa postura.
“A solidariedade eu me manifestei conversando com o povo nas ruas, visitando a periferia de Brasília, vendo pessoas humildes obrigadas a ficar em casa sem ter um só apoio do governador ou prefeito. E nós fizemos exatamente o que? Demos o auxílio emergencial imediatamente”, disse Bolsonaro.
Questionado novamente sobre o tema, o presidente disse que lamentava as mortes, mas insistiu em defender teses comprovadamente ineficazes para o combate à pandemia, como o chamado “tratamento precoce”.
“Lamento as mortes. Não tem quem não perdeu um parente ou um amigo. Lamento as mortes. Agora, não poderia ser tratada, a Covid, da forma como começou a ser tratada. E quando você fala em tratamento precoce, lembre-se que no protocolo do [ex-ministro da Saúde] Mandetta tinha o tratamento precoce lá, mas só em casos graves — onde eu não concordei com ele”, disse o presidente.

Centrão
O presidente também comentou a sua relação com o grupo da Câmara conhecido como Centrão. O grupo reúne deputados de partidos de centro e de direita. Ao longo dos últimos anos, tem se notabilizado por apoiar os governos da vez, independente de ideologia.
Bolsonaro se elegeu com o discurso da “nova política” e com críticas às antigas práticas. Em 2018, ele se apresentou como um candidato antissistema e chegou a dizer que nunca faria parte do Centrão. Entretanto, em declarações recentes, o presidente mudou o posicionamento e passou a afirmar com frequência que sempre integrou o Centrão.
Durante seus 27 anos exercendo o cargo de deputado federal, o presidente Jair Bolsonaro foi filiado aos partidos PTB (2003-2005), PFL (2005), PP (2005-2016), que integram o bloco fisiológico, e disputa as eleições pelo PL, também integrante do Centrão.
“No meu tempo não era Centrão, não existia Centrão. No meu tempo, esses partidos que eu já integrei não eram tidos como do Centrão. Agora, o importante. Nós temos um governo sem corrupção. Eu indiquei ministros por critério técnico. Eu não aceitei pressões de lugar nenhum para calar ministros”, respondeu Bolsonaro na entrevista.
Ele também afirmou que precisa do apoio desse grupo para aprovar projetos no Congresso.
“O Centrão são mais ou menos 300 parlamentares. Se eu deixar de lado, vou governar com o quê? Não vou governar com o parlamento. Então, você está me estimulando a ser um ditador. São 513 deputados, 300 são de partidos de centro, pejorativamente chamado de centrão. O lado de lá, os 200 que sobram, o pessoal do PT, PCdoB, PSOL, Rede, não dá para você conversar com eles. Até eles não teriam números suficientes para aprovar um PL comum. Então, os partidos de centro fazem parte, grande parte, da base do governo para que possamos avançar em reformas”, afirmou o presidente.

‘Liberdade de expressão’
Durante a entrevista, Bolsonaro foi lembrado de que alguns de seus apoiadores, em manifestações de rua, pedem ações inconstitucionais, como o fechamento do Congresso e a volta da ditadura.
Para Bolsonaro, essas reivindicações ilegais são “liberdade de expressão”.
“Se você vir as manifestações nossas, sem qualquer ruído, [sem] uma lata de lixo sequer virada nas ruas, eu considero isso como liberdade de expressão”, afirmou Bolsonaro.
“Quando alguns falam em fechar o Congresso, é liberdade de expressão deles. Eu não levo para esse lado. Para mim, isso aí faz parte da democracia. Eu não posso é eu ameaçar fechar o Congresso ou o STF”, completou.

Corrupção no MEC
O candidato à reeleição pelo PL foi questionado pelo JN sobre a sequência de escândalos e substituições de ministros na Educação. A pasta teve cinco chefes em um mandato, incluindo o pastor Milton Ribeiro, que chegou a ser preso por suposto favorecimento de pastores com verbas públicas.
Bolsonaro disse que “as pessoas se revelam quando chegam” e que, na visão dele, não há “nada” que incrimine Milton Ribeiro no caso dos pastores. O presidente chegou a contestar a classificação do caso como “escândalo”.
“Por muitas vezes, depois que a pessoa chega, a gente vê que ela não leva jeito para aquilo. Não foi só o da Educação, ele teve a acusação. Ele teve uma ordem de prisão, foi preso inclusive. Agora, conseguiu habeas corpus logo em seguida. Eu fiquei sabendo depois, né, que o Ministério Público do DF foi contra a prisão dele. Por quê? Não tinha nada contra. Se tiver algo hoje em dia, é outra história. Até aquele momento, não tinha nada. A questão de ter dois pastores, um, que estava no gabinete dele, qual o problema?”, disse Bolsonaro.

Interferência na Polícia Federal
Bolsonaro foi perguntado sobre as suspeitas de que tenha interferido no comando da Polícia Federal para abafar investigações de corrupção ligadas ao governo federal. Bolsonaro minimizou essa denúncia de “interferência”, mas não explicou a mudança no discurso anterior de que não havia corrupção em seu governo.
“Atualmente, temos um delegado da Polícia Federal à frente do Ministério da Justiça. Ninguém comanda a PF, Bonner. Se pudesse comandar, o Lula teria comandado, a Dilma, o Temer, seja lá quem for. Ninguém consegue comandar a Polícia Federal dessa forma como você está falando aí”, disse Bolsonaro.
O candidato foi questionado ainda sobre uma carta da Associação de Delegados da Polícia Federal que o acusa de trazer “desgaste” à imagem da corporação e jogar “desconfiança sobre a autonomia e a imparcialidade da Polícia Federal”. Bolsonaro, entretanto, creditou essa posição à luta da categoria por melhorias de salário e carreira.
“Outra coisa, eles queriam uma reestruturação de carreira agora. Eu achei até justo, mas outras categorias não concordavam com isso sem serem beneficiadas também. E daí, começou um movimento dentro, por parte de alguns delegados da PF, contrários à minha posição. O que deságua em uma nota como essa daí. Eu queria, inclusive, reestruturar a Polícia Rodoviária Federal, que era bem mais fácil e menos onerosa. Os delegados, essa mesma associação não topou fazer isso daí. Então, tem uma briga política e salarial por trás disso”, disse.

Economia
Jair Bolsonaro foi questionado sobre indicadores da economia que, atualmente, estão piores que os encontrados pelo candidato ao assumir a presidência em 2018. O candidato à reeleição creditou esses problemas à pandemia de Covid, à guerra na Ucrânia e à seca de 2021, elogiou realizações do primeiro mandato e disse que pretende manter o que vem sendo feito se for reeleito.
“O que nós pretendemos fazer? É continuar exatamente na política que vínhamos fazendo desde 2019. A grande vacina a favor da economia em 2019 foram reformas, como por exemplo a da Previdência. Foi a Lei da Liberdade Econômica, foi a modernização das Normas Regulamentadoras. […] Nós fizemos muita coisa no Brasil, atendemos realmente a todas as camadas da sociedade. Só agora na questão do IPI, a proposta do Paulo Guedes que está parada no Supremo Tribunal Federal, nós pretendemos diminuir imposto de 4 mil produtos em 35% de IPI.”
Bolsonaro citou como exemplo de boa medida o Auxílio Emergencial de R$ 600. O governo inicialmente defendia um valor menor, de R$ 300, e só aceitou elevar a cifra quando a oposição no Congresso passou a defender R$ 500 mensais.
“O próprio Auxílio Emergencial, num primeiro momento de R$ 600, fez com que a economia, em especial nos pequenos municípios, o município não colapsasse. Então essas medidas, entre outras, fizeram a gente romper 2020 e 2021”, afirmou.
O candidato à reeleição não respondeu, por fim, à pergunta inicial – o que pretende fazer para cumprir as promessas de reduzir a inflação, a taxa de juros e a cotação do dólar.

Amazônia
Outro tema da entrevista foi a preservação do meio ambiente. O governo Bolsonaro é criticado no Brasil e no exterior por políticas consideradas insuficientes para a proteção das florestas.
Questionado sobre os índices de desmatamento em seu governo, Bolsonaro alegou que a Amazônia é do tamanho de países europeus.
“Olha só, a Amazônia é do tamanho da Europa Ocidental. Ali na Amazônia cabe uma Alemanha, cabe uma França, cabe uma Itália, cabe Portugual, cabe um montão de países. Você pensa que fiscalizar, evitar de pegar fogo, [é] assim: ‘Vamos lá?'”, argumentou o candidato.
Ele também disse que há incêndios florestais em outros países.
“Agora, quando se fala em Amazônia, o que não se fala também, é na França que há mais de 30 dias está pegando fogo, a mesma coisa está pegando fogo na Espanha e Portugal, Califórnia pega fogo todo ano. No Brasil, infelizmente não é diferente, acontece, grande parte disso aí, alguma parte disso aí é criminoso, eu sei disso, outra parte não é criminoso é o Ribeirinho que toca fogo ali na sua propriedade”, afirmou Bolsonaro.
Outro ponto da entrevista foi o dado do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon) que aponta que a área de floresta desmatada da Amazônia Legal em 2022 foi a maior dos últimos 15 anos. Bolsonaro disse que 30 milhões de pessoas moram na região e que “a primeira preocupação é essa”.
“Olha, você tem que pensar que na Amazônia você tem quase 30 milhões de habitantes lá, tem 30 milhões de brasileiros na Amazônia, primeira preocupação é essa. Outra, qualquer propriedade lá tem que preservar 80% e pode usufruir de 20%. Eu tentei nos primeiros dois anos de mandato fazer a regularização fundiária, para saber, por exemplo, qualquer lugar desmatado ou com foco de calor de quem é o CPF daquela propriedade. O presidente da Câmara não colaborou para botar essa propriedade adiante”.

Considerações finais
Em suas considerações finais, que tem o tempo de um minuto para todos os entrevistados, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que assumiu o governo do Brasil em “situação crítica na questão ética, moral e econômica” e que fez reformas e realizações em seu mandato antes da pandemia e da invasão da Ucrânia pela Rússia.
“Isso nós fizemos. Hoje, você nota que os preços dos combustíveis caíram assustadoramente. Nada de canetada. Com o trabalho nosso junto ao parlamento brasileiro, conseguimos R$ 600 de Auxílio Brasil para 20 milhões de pessoas mais pobres. Conseguimos transposição do São Francisco, que estava parada desde 2012, levando água para o nordeste. Nós pacificamos o MST titulando terras pelo Brasil, e 90% dessas titulações foram para as mulheres. Criamos o PIX, tirei dinheiro de banqueiros fazendo com que a população pudesse se transformar, muitos, em pequenos empresários. O PIX: sem qualquer taxação em cima do PIX. Anistiamos 99% da dívida de um milhão de jovens junto ao FIES”, afirmou Bolsonaro.
Foto: Reprodução/TV Globo
G1

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