Entenda o que faz um corticoide barato ser apontado como 1º remédio capaz de reduzir mortes por Covid-19

Publicado em 17 de junho de 2020

Pesquisadores da Universidade de Oxford anunciaram, nesta terça-feira (16), que um corticoide barato e de uso amplo teve eficácia em casos severos de Covid-19, diminuindo a taxa de mortalidade de pacientes entubados em um terço.
O remédio, entretanto, NÃO mostrou benefícios em pacientes que não precisaram de suporte de oxigênio. Ou seja, não se mostrou eficaz em casos leves e nem como prevenção.

Entenda, abaixo, mais sobre a substância:
A que classe pertence o remédio? Como ele age?
O remédio é a dexametasona, um corticosteroide, que age como um anti-inflamatório e imunossupressor (ele inibe a ação do sistema imunológico). Sua forma de ação, seja como anti-inflamatório como imunossupressor é diferente de acordo com a dose aplicada.

Que doenças são tratadas com ele?
Dois exemplos de doenças são o lúpus e a artrite reumatoide, ambas doenças autoimunes – um tipo de doença em que o sistema imunológico ataca o próprio corpo.
Na maioria das vezes em que é indicado, o remédio não é usado sozinho. Segundo especialistas ouvidos pelo G1, ele age em conjunto com antibióticos, antivirais ou antiparasitários.

Ele tem efeitos colaterais?
SIM: os corticoesteroides podem piorar quadros como diabetes e osteoporose, afirma a infectologista Rosana Richtmann, do Hospital Emílio Ribas, em São Paulo. Por isso, é importante que as pessoas NÃO tentem a automedicação com a substância, lembra a especialista.
O médico Luciano Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, reforça a recomendação. Ele disse que toda vez que a comunidade científica divulga uma pesquisa como a do medicamento, se gera uma “corrida às farmácias” porque muitas pessoas acham que podem tomar como prevenção.
“Não faz o menor sentido usar o corticoide nem como prevenção nem para pacientes em estado leve. Se tiver alguma indicação, é para os pacientes em estado grave, que precisam de oxigênio ou de respirador artificial” – Luciano Azevedo, médico do Hospital Sírio-Libanês

Por que ele funcionou contra a Covid-19?
Ainda não se sabe os pormenores, porque os especialistas de Oxford não detalharam os resultados do estudo. Como regra geral, um anti-inflamatório pode ajudar a reduzir a inflamação causada pela Covid-19 nos vasos sanguíneos. O infectologista do Hospital Emílio Ribas, Jamal Suleiman, destaca que essa “é a teoria” e seus mecanismos de funcionamento ainda não foram apresentados.
O Sars-CoV-2 causa a chamada “tempestade de citocinas”, que é uma reação inflamatória grave do corpo por uma resposta exagerada na luta contra o vírus. (Veja detalhes mais abaixo). Suleiman explica que a Covid -19 inflama os vasos sanguíneos e diminui o fluxo do sangue, levando também ao acúmulo de moléculas inflamatórias que facilitam a formação de coágulos.
“A recomendação foi baseada numa redução de mortalidade. A base teórica não está completamente esclarecida” – Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas
Na opinião do especialista, não é possível saber, ainda, por que a droga só teve eficácia em casos severos da doença. Segundo ele, o critério de gravidade ainda não está claro e por isso é importante que o estudo seja publicado.
O médico do Sírio-Libanês, Luciano Azevedo, reforça que os corticoides agem reduzindo a inflamação generalizada que a Covid-19 pode causar. Ele explica que quanto mais grave o doente estiver, maior é o risco de desenvolver essa inflamação, e maior é a chance de o corticoide fazer efeito.
“Isso porque ele age diminuindo essa inflamação. Se você tem um caso de Covid leve, não faz sentido usar esse medicamento, porque não tem tanta inflamação assim que o corticoide consiga combater” – Luciano Azevedo, médico do Sírio-Libanês.
Em entrevista à correspondente da TV Globo na Suíça, Bianca Rothier, a brasileira Mariângela Simão, diretora da Organização Mundial da Saúde (OMS), disse que a reação inflamatória dos pacientes é uma das mais importantes no desenvolvimento da doença.
“Uma das reações mais importantes no desenvolvimento da infecção por este novo coronavírus no corpo é uma reação inflamatória acentuada”, explicou a diretora-geral assistente para Acesso a Medicamentos, Vacinas e Produtos Farmacêuticos da OMS.
“É esperado que um anti-inflamatório possa ajudar os casos ao diminuir a capacidade do corpo de fazer uma hiper-reação inflamatória, que é o que tem causado a maior parte das complicações do vírus” – Mariângela Simão, diretora da OMS
Ela comentou que o corticosteroide alvo do estudo inglês deve agir na diminuição da chamada “hiperinflamação”. Simão reforçou que a ação do fármaco na hora de combater a inflamação deve reduzir os danos aos pacientes e apresentar uma melhor chance de sobrevida.

O que é a tempestade de citocinas?
É um processo inflamatório desencadeado pela presença do vírus, também chamado de “cascata inflamatória”, explica o infectologista do Emílio Ribas, Jamal Suleiman. Esse processo ocorre quando o corpo sofre qualquer tipo de agressão – ou quando tem uma doença autoimune, por exemplo. No caso do coronavírus, esse processo ocorre de forma muito grave.
“No momento que é agredido, o corpo produz substâncias para tentar se defender – isso inclui uma batida, por exemplo, quando a pessoa bateu a perna numa quina. Nesse local onde ocorre o trauma, você começa a produzir substâncias para tentar se defender que são pró-inflamatórias” – Jamal Suleiman, infectologista do Hospital Emílio Ribas
O desfecho das inflamações, entretanto, é diferente conforme o dano sofrido: uma pancada ou, no caso da Covid-19, um vírus. Já a diretora da OMS disse que a reação do corpo ao ataque dos vírus acaba prejudicando os infectados pelo coronavírus.
“O que está acontecendo nos pulmões em alguns pacientes é que há uma super-reação inflamatória. Então, em vez de ajudar o paciente, ela destrói o pulmão. Ela faz com que os pulmões fiquem incapazes de fazer as trocas de oxigênio” – Mariângela Simão, diretora da OMS.

O remédio já está sendo usado no Brasil?
Segundo a infectologista Rosana Richtmann, também do Emílio Ribas, os protocolos de tratamento de pacientes graves no Brasil já incluem algum tipo de corticoide.
“A novidade do estudo de Oxford é a dose, por ser mais baixa que as que já vinham sendo usadas. Em doses altas, os corticoides podem ser um ‘tiro no pé’, por inibirem a resposta imune”– Rosana Richtmann, infectologista do Emílio Ribas
Nesta terça (16), a Sociedade Brasileira de Infectologia emitiu uma recomendação para que todos os pacientes com Covid-19 em ventilação mecânica e os que necessitam de oxigênio fora da UTI recebam a dexametasona por via oral ou endovenosa uma vez ao dia por 10 dias.
Luciano Azevedo, do Hospital Sírio-Libanês, diz que os corticoides são estudados pela Coalizão Covid-19 Brasil, grupo que busca tratamentos para a Covid-19. Ele explica que esse tipo de medicamento já era usado em pacientes com outras doenças pulmonares graves e que os resultados de um estudo nacional devem ser divulgados em agosto.

Qual é a diferença entre o remédio e outros corticoides?
O mecanismo de ação de todos os corticoides é semelhante. O que muda entre eles é a equivalência, explica Richtmann. Uma dose de 6mg de um determinado corticoide equivale a 40mg de outro, por exemplo.

E a diferença para outros medicamentos, como os antivirais, os antiparasitários e os antibióticos?
O mecanismo de ação é diferente. A dexametasona é um corticoide, que funciona em inflamações. Ele funciona em conjunto com outros remédios.
Se um paciente tem um caso grave de mononucleose, por exemplo (infecção bacteriana), o médico pode optar por usar um anti-inflamatório para diminuir a inflamação do local e permitir que o antibiótico aja sobre a bactéria, explica a infectologista do Emílio Ribas.
“Os antivirais matam vírus; os antibióticos, bactérias; os antiparasitários, parasitas; e os anti-inflamatórios não matam nada. A ação do corticoide não vai ser sozinha [na Covid-19]: ele não tem ação viral. É uma doença muito complexa, não vai ter tratamento único” – Rosana Richtmann, infectologista do Emílio Ribas
E Suleiman completa: “Os antivirais podem bloquear um ciclo específico de replicação do vírus; a mesma coisa vale para os antiparasitários, como a hidroxicloroquina, que é usada para tratar malária”.

O que diz a OMS sobre a descoberta?
O diretor-geral da OMS, Tedros Adhanom Ghebreyesus, comentou os resultados dos experimentos. Em uma entrevista coletiva, o dirigente da agência de saúde da ONU disse que este foi o primeiro tratamento que reduziu a mortalidade em pacientes de casos mais avançados da Covid-19.
“São ótimas notícias e parabenizo o governo do Reino Unido, a Universidade de Oxford e os muitos hospitais e pacientes no Reino Unido que contribuíram para esse avanço científico que salvou vidas” – Tedros Adhanom Ghebreyesus, diretor-geral da OMS
A dexametasona é um esteroide usado desde a década de 1960 para reduzir a inflamação em várias condições, incluindo em certos tipos de câncer. Está listada como medicamento essencial pela OMS desde 1977 em várias formulações, e está disponível de forma acessível na maioria dos países, fora de patente.
Foto: Yves Herman/Reuters
G1

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