‘Eu lutei pela cura’, diz padre que acolheu acusado de pedofilia em MG

Publicado em 10 de agosto de 2016

Sentado no centro do salão da Comunidade Evangelizadora Magnificat, na zona rural de Três Corações (MG), padre Pedro Paulo Santos afirma que tentou ajudar o padre Bonifácio Buzzi, acusado de abusar sexualmente de um menino de 9 anos. A comunidade acolheu o religioso após ele deixar a prisão, onde já havia cumprido pena por outros abusos. Citado no filme “Spotlight”, vencedor do Oscar de melhor filme e de roteiro original em 2016, Buzzi foi preso na sexta-feira (5) em Santa Catarina pela suspeita do abuso em Minas Gerais, e foi encontrado morto no presídio de Três Corações na manhã deste domingo (7).
“Ele prometeu que não ia me decepcionar”, afirma o padre Pedro Paulo. “Eu lutei [pela cura], rezei por isso, pedia pra ele celebrar comigo, oração de cura. Ele orava comigo, rezava comigo. Eu tentei com esse padre, mas não consegui.”
Padre Bonifácio Buzzi chegou na comunidade no final de novembro de 2015. Foi encaminhado por um padre de Juiz de Fora (MG), que o conheceu no presídio da cidade quando ainda era capelão, e pediu que Buzzi fosse hospedado na comunidade. Após a autorização do bispo da Diocese de Juiz de Fora, padre PP, como é conhecido Pedro Paulo, o recebeu.
“Ele tinha recebido a condicional. O bispo autorizou a estadia dele e havia permissão para que ele celebrasse missas na comunidade. Quando perguntei por que ele tinha estado preso, o padre me falou que ele teve problemas com crianças, mas eu não sabia [mais do que isso]. E se eu soubesse, eu não acolheria? Eu fico com esse drama dentro de mim”, explica padre PP.
“Ele pediu pra mim: ‘Padre, eu sou um doente. Eu tive muitos problemas, eu saí de uma prisão, eu quero recuperar. E me indicaram a Magnificat’. Eu pensei muito naquela prostituta de João capítulo 8, que Jesus acolheu aquela mulher. Judas o que fez, Jesus não expulsou do grupo dele. Pedro traiu Jesus… Aqui é uma casa mariana, que para nós católicos é muito importante. Como um padre sério da comunidade trouxe, eu pensei: meu Deus, o papa fez um documento do ano da misericórdia, eu não posso deixar de acolher as pessoas.”
Segundo padre PP, Buzzi participava das atividades da Magnificat, instituição que trabalha para evangelizar jovens, famílias, dependentes químicos, entre outros que precisam de ajuda espiritual. Ele não rezava mais missas nos grandes eventos, e segundo padre PP, só era convidado para participar de celebrações com menos pessoas, porque ele queria voltar a exercer o ministério da Igreja.“Sentia muito conflito [nele], muita dor, muito sofrimento. Ele não era muito de sair da comunidade. Fizemos o possível”, conta padre PP.
Mas nos últimos dias que Buzzi ficou hospedado na comunidade, padre PP percebeu que ele estava saindo muito. Ao ser questionado, ele dizia que tinha ido em Três Corações, em Varginha. “Aí eu falava pra ele que tinha que ir na missa. Ele vinha um dia, depois faltava de novo. Eu não tinha ideia de onde ele estava indo. Mas eu senti que alguma coisa já não estava muito certa”, afirma.
Buzzi havia feito dois cursos de recuperação em Belo Horizonte (MG), com regressão. No final de maio, ele chegou para o padre PP e disse que estava se sentindo melhor. Desabafou e afirmou que tinha sofrido abusos sexuais na infância. “Ele disse: Padre, eu tenho vergonha. Eu não tive outra experiência na vida’. E aí ele disse que iria pra casa dele e que o trabalho dele era unir a família, que iria lutar pela família dele”, conta PP.
Somente cerca de um mês depois, padre PP descobriria o assédio sexual. “Eu fiquei até num quadro um pouco depressivo [quando descobri]. Depois de passar tanto tempo na cadeia por isso, não imaginei [que ele faria de novo]. Hoje, eu tenho certeza, eu vi que realmente é uma doença”, finaliza.

O CRIME
O abuso do padre a uma criança de 9 anos na comunidade de Três Corações veio à tona somente no dia 18 de junho, depois que uma vizinha desconfiou e mostrou para a mãe da vítima uma reportagem que denunciava a prisão do pároco de Frutal (MG), Fabiano Gonzaga, preso em junho depois de forçar um menino de 15 anos a fazer sexo oral nele dentro da sauna de um clube em Caldas Novas (GO). Na mesma reportagem, o padre Bonifácio Buzzi era citado.
Depois de indagar o menino, a mãe procurou a polícia para denunciar o padre. Conforme a delegada Ana Paula Gontijo, que investiga o caso de abuso, a mãe disse que nos últimos dias já estava ficando incomodada com a presença frequente do padre na casa. Era comum encontrar o padre assistindo televisão com o menino sentado no colo dele ou ainda embaixo das cobertas – ele dizia à mãe que não podia assistir na comunidade, para ficar na casa -, mas ela não desconfiava de um assédio.
“Ela disse que achava que, primeiro, ele era um religioso, era um padre, e depois ela achava que essa carência dele, de estar sempre na casa, era por ele não ser daqui, por ele se sentir sozinho. E como ele era um padre, uma pessoa religiosa, ele ficava na casa”, disse a delegada.
Para a mãe, o menino relatou que, uma vez, o padre levou ele e dois primos para uma pescaria. Ao chegar ao riacho, o padre disse que havia esquecido de levar as minhocas que serviriam de isca e pediu que os dois amigos fossem buscá-las. Ao ficar sozinho com o garoto, o padre baixou a bermuda dele.
Quando os meninos voltaram, eles teriam flagrado a cena e o padre teria dito que estaria procurando carrapatos no órgão sexual da vítima. Conforme o depoimento à polícia, o padre “colocava a boca em seu pênis ao mesmo tempo que introduzia o dedo em seu ânus”.
Os meninos alertaram a vítima. “Eles disseram para ele não deixar o padre fazer aquilo, dizendo que aquilo era ‘bobajada’, nas palavras de criança”, completa a delegada. Ainda segundo ela, o padre dava dinheiro, brinquedos, lanterna, coisas de crianças, para que a vítima não contasse nada pra ninguém.

BUSCA E PRISÃO
A Polícia Civil não encontrou o padre nos endereços em Joinville (SC) passados para a comunidade religiosa. Em um dos locais, havia uma comunidade católica e no outro uma loja. Buzzi só foi localizado após interceptação telefônica. Ao chegar em Barra Velha (SC), na sexta-feira (5), a polícia constatou que a casa da família do padre, que fica próximo a uma praia, havia sido colocada à venda.
Os policiais ligaram para o telefone que havia na placa de vende-se e foram atendidos pelo cunhado de Buzzi. Pouco depois, o padre chegou de bicicleta para negociar. Ao receber voz de prisão, ele negou tudo, mas segundo o delegado, naquele momento, uma sobrinha do padre se espantou e falou: “Tio, de novo?

VOCÊ FEZ AQUILO DE NOVO?”.
Após pedir misericórdia a Deus por algumas vezes e dizer aos policiais que precisava rezar mais, Buzzi foi preso e levado para Três Corações no sábado (6), onde foi encontrado morto, na cela em que ficava sozinho, na manhã seguinte. Ele se suicidou com uma corda feita de lençóis. Os exames do IML apontaram que a causa da morte foi asfixia por enforcamento.
A Polícia Civil informou em entrevista coletiva na tarde desta segunda-feira (8) que irá apurar se a Igreja Católica tem responsabilidade pelo novo caso de abuso sexual envolvendo o padre Bonifácio Buzzi.
“Uma questão que não sai da minha cabeça é o seguinte: esse padre foi condenado por 20 anos com dois casos, objeto de estudo de um filme onde foi retratada a pedofilia a nível mundial. O que eu não entendo é como essa pessoa, após ficar encarcerada, como uma pessoa dessa volta para o sacerdócio”, disse o delegado Pedro Paulo Marques, responsável pela prisão do padre.

NO AEROPORTO
Pouco antes de embarcar para Minas Gerais, no aeroporto, Bonifácio Buzzi conversou com os policiais. “Ele falou que não sabe o que acontecia com ele, que toda vez que isso acontecia, dava um branco, ele não lembrava o que tinha feito. Ele disse que era doente, que ficou muito tempo num hospital psiquiátrico em Barbacena. Quando a gente perguntou qual a doença, ele não soube responder. Disse que foi pra Belo Horizonte pra tentar tratar numa técnica de regressão, mas ele não conseguiu resolver”, conta o delegado Marques.
Ao ser questionado se ele ainda era padre, segundo Marques, a resposta dele foi bem afirmativa. “Ele disse que nunca deixaria de ser padre. Que ser padre é igual ao casamento católico, onde os nubentes só se separam com a morte. Ele ainda era padre e sempre seria.”
O corpo de Bonifácio Buzzi foi enterrado na manhã da segunda-feira em Três Corações porque nenhum parente apareceu pra levar o corpo pra Santa Catarina.

HISTÓRICO DE CRIMES E CITAÇÃO NO SPOTLIGHT
O padre Bonifácio Buzzi foi citado no filme Spotlight como exemplo de como a Igreja Católica acoberta casos de abusos sexuais. Ele já havia sido condenado por outras duas vezes por abusos a menores. Buzzi nasceu em Rio do Sul (SC) e começou a carreira religiosa em Joinville. Ele teria saído da cidade por causa de uma denúncia de abuso, que acabou não sendo investigada. Em 1995, ele ficou em prisão domiciliar após ser flagrado abusando de garotos com idades entre 5 e 11 anos de idade.
Em janeiro de 2007, Buzzi foi preso em Barbacena (MG), foragido da Justiça após ser condenado em 2004 a seis anos de prisão pelo abuso sexual de um garoto de 10 anos de idade em Mariana(MG), onde era pároco. No momento da prisão, o padre havia terminado de celebrar missa num asilo de idosos.
Na Igreja Católica, o padre respondia a um processo canônico no Vaticano, que ainda não havia sido concluído. Segundo a assessoria de imprensa da Arquidiocese de Juiz de Fora (MG), o padre Bonifácio Buzzi foi encaminhado para a comunidade em Três Corações para que se recuperasse e aguardasse a resposta da Igreja sobre o processo de destituição do sacerdócio, aberto pela Diocese de Mariana (MG), junto ao Vaticano.
G1

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