Moradores do Jacarezinho estocam alimentos e mudam rotina durante o que chamam de ‘Operação Vingança’

Publicado em 19 de agosto de 2017
estoqueApós oito dias de intensos tiroteios, cinco pessoas mortas e quatro feridas, moradores da favela do Jacarezinho, na Zona Norte do Rio, estão com tanto medo de se tornarem a próxima vítima dos confrontos em sequência na comunidade, que passaram a estocar alimentos em casa. O G1 conversou com alguns moradores e, por segurança, eles não serão identificados
“Estou vendo as pessoas no mercado fazendo estoque de comida, porque nunca se sabe o que vai acontecer. Chega 17h e não tem mais nenhum mercado aberto. As pessoas estão fazendo estoque de comida como se estivessem vivendo realmente uma guerra, tá muito complicado”, contou C.E.
Entre os moradores, as operações na comunidade foram batizadas como “Operação Vingança”. Isso porque os dias de terror e medo na comunidade começaram na última sexta-feira (11), quando o policial Bruno Guimarães Buhler, da Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), foi morto por criminosos da comunidade após levar um tiro no pescoço durante operação.
Questionada sobre a reação dos moradores em relação às ações na comunidade, a Polícia Civil informou que segue realizando operações na favela do Jacarezinho para cumprimento de mandados de prisão de criminosos responsáveis pelo tráfico de drogas naquela região e, também, com objetivo de prender os responsáveis pela morte do policial civil Bruno Buhler.
Segundo a moradora C.E., que tem dois filhos, na última semana ela passou a comprar alimentos pensando em um longo período. “Meu kit guerra é o danone das crianças, leite, biscoito, água, macarrão. Algumas coisas só pra gente não precisar sair de casa”.
Além do medo, I.S. outro morador da região, explicou que a atitude de acumular os produtos essenciais também se deve porque, mesmo sem ter tiroteio na rua, o comércio tem fechado mais cedo. Às vezes, segundo ele, por ordem de policiais militares.
“Ontem os policiais pediram que fechassem o comercio às 15h porque teria operação. Daí por conta do medo de sair de casa, e também porque o comércio tá fechando mais cedo, compramos algumas coisas para evitar, o máximo possível, sair de casa, e nem passar fome”, contou.
De acordo com ele, a prática está se difundindo entre os moradores da região. “Não só na minha casa, mas outros conhecidos, meus vizinhos, minha namorada, todos estão comprando pão, leite, ovo, carne, produtos de limpeza, os itens que a gente usa mais no dia a dia, pra evitar, ao máximo possível de sair de casa”, disse.
Nas redes sociais, moradores questionam as mortes que já aconteceram e temem novos casos. “Com quantas mortes de inocentes se paga a morte de um policial da Core”, questionou uma mulher. “Imagina se todo trabalhador que tivesse um parente morto nessa guerra resolvesse pegar um fuzil e sair matando policial por ai, como seria a cidade?”, comentou outra internauta.
Rotina de pânico
A moradora C.E. contou também que a rotina de medo entre a população tem mudado não só o habito deles, como também a saúde mental. De acordo com ela, sua filha, de apenas quatro anos, tem tido crises de medo e reações preocupantes. “Ela está com um trauma muito grande. Quando começa o tiroteio ela já corre e fica muito nervosa dizendo ‘pow pow, mamãe, pow, pow’. e se treme muito. Esses dias ela me falou ‘ai mãe eu tô tremendo igual um macaquinho’. Eu quero marcar uma consulta, mas com dias assim eu não tenho condições de sair com ela daqui.
Para ela, a situação e o clima de tensão da comunidade e as crescentes reações de medo da filha têm se tornado uma grande preocupação. “O coração de mãe fica horrível. A gente quer dar segurança pros nossos filhos, a gente quer mostrar que nada de ruim vai acontecer, mas a gente ouve os barulhos, sabe o que está acontecendo, sabe que pessoas estão morrendo. Minha vontade é pegar meus dois filhos e sair daqui correndo”, lamenta.
S.J, outra moradora da região, contou que deixou de usar parte da sua própria casa nos últimos dias por não se sentir protegida devido aos tiroteios que, segundo ela, começam de uma hora para outra.
“Na minha porta acontece muito tiroteio e a sala fica bem de frente, então a gente não usa mais a sala. Ninguém fica mais lá, só fica no quarto, que fica no fundo. Dá medo até de passar pela sala, mesmo que não esteja acontecendo nada, porque a qualquer hora pode começar um novo confronto.
Devido ao clima tenso na região, a moradora disse ainda que não tem saído de casa, e quando sai, tem que mudar seu caminho para não ficar em uma possível linha de tiro. “Eu dou a volta porque meu trajeto normal é por onde o Caveirão vem. Teve um dia que eu estava saindo e ele [o blindado] apareceu. Quando ele virou a rua ele já começou a atirar e eu saí correndo “, contou, dizendo que até sua filha de dois anos teve que mudar a rotina. “Eu tive que tirar ela da creche, porque eu sentia o risco duas vezes por dia, pra ir e pra voltar”, lamentou.
Os desvios de rotas têm sido a mudança de hábito mais comum entre os moradores nessa última semana. I.S. falou que além de mudar a rota ainda tem um gasto a mais.
“Na segunda e na terça eu tive ir pra casa da minha irmã, em Campo Grande, porque não consegui entrar em casa. Minha mãe me informou que tinha um tiroteio muito intenso, inclusive com gás de pimenta, na nossa rua. Já teve caso que eu tive que pegar um Uber, que custa em média R$ 50 e esse dinheiro faz falta na minha renda, porque não estava programado. Eu recebo benefício de transporte no meu trabalho e acabo tendo que gastar do meu bolso pra ir pra casa”, explicou.
C.E disse que, mesmo sendo mulher, tem preferido enfrentar ruas perigosas do que entrar pela comunidade “Na hora de voltar pra casa, em vez de pegar o caminho mais próximo, que seria por dentro do Jacarezinho, eu tenho que pegar outro ônibus que dá a volta por fora e entrar por Maria da Graça. Então além de tempo, eu perco também dinheiro. As ruas ali têm muito assalto, são muito escuras, mas, querendo ou não, está mais seguro do que entrar pela principal”
Policial morto
Bruno Buhler, de 36 anos, era muito conhecido e querido na corporação, o que levou os moradores a acreditarem que as ações da Polícia Civil realizadas durante esses últimos sete dias não foram apenas para encontrar o suspeito de matar o policial, mas sim, uma forma de vingança pela morte dele.
A Delegacia de Combate às Drogas da Polícia Civil do Rio identificou os quatro suspeitos de matarem o policial Bruno Buhler. O Disque Denúncia está oferecendo recompensa de R$ 50 mil por informações. Os homens foram identificados como: Carlos André da Conceição, Wellington de Sousa Macedo, Jefferson Gonçalves da Silva e Jonathan Luis da Silva.
* Sob supervisão de Janaína Carvalho
G1
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