O pão da terra e do céu

Publicado em 21 de agosto de 2015

A liturgia deste Domingo põe o acento na eficácia e no poder, da Eucaristia. O pão eucarístico que Cristo nos dá está prefigurado no pão que um mensageiro de Deus oferece ao profeta Elias (cf. 1Rs 19,4-8).
Elias que viveu aproximadamente 900 anos antes de Cristo, chega a ver-se em uma situação tal de sofrimento, as dificuldades que tem que enfrentar são tão grandes que o fazem perder toda a esperança, que o fazem pedir a Deus que lhe tire a vida. Não perdeu a fé, mas sim a esperança.
Elias é um profeta que permaneceu fiel a Deus apesar da perseguição que sofre pelos adoradores de outros deuses (Baal). Precisamente essa sua fidelidade a Deus o levou a esta situação extrema. Perseguido pela rainha fenícia Jezabel, o profeta foge então para o deserto.
O deserto é um lugar inóspito e interminável, sem vida. A vida está distante, é preciso atravessar o deserto para encontrá-la. Entrar no deserto significa a morte. Um dia os antepassados de Israel encontraram seu Deus no deserto e guiados por Ele chegaram à terra Prometida. Agora, um profeta em crise percorre um caminho inverso ao de seus pais: regressa ao deserto para fugir aos seus perseguidores. Elias já não possui uma razão para viver. Dirige-se ao monte Horeb (o Sinai), ao encontro de Deus, buscando instintivamente nele ajuda e consolo. Afinal, está nesta situação por sua causa. Mas no trajeto através do deserto, sente que as forças lhe abandonam, como os israelitas quando Deus por meio de Moisés, o tirou do Egito. E, como então, Deus permanece fiel?
O próprio Deus, representado pela figura do “anjo do Senhor”, o desperta do seu sono restaurador, tocando-o disse: “Levanta-te e come! Ele comeu. Voltou a querer fugir da realidade pelo sono. Outra vez o anjo o despertou: Levanta-te e come! Ainda tens um caminho longo a percorrer”. (v. 7) Deus o alimenta, para que recobre as forças e possa seguir caminhando ao seu encontro. Então Elias retoma a caminhada. Aquele pão e aquela água dão-lhe forças, que lhe garantem chegar à presença do próprio Senhor.
O que pode levar um ser humano a desejar a própria morte? Parece claro que ninguém deseja realmente morrer. O que desejamos é viver em melhores condições. Mas quando a dor inunda por completo nosso coração ao ponto de não deixar-nos ver saída alguma, é então quando podemos chegar a desejar não ter nascido ou inclusive morrer.
Existem momentos assim, que o caminho se torna muito difícil. Vemo-nos tão ameaçados por todos os lados, que o coração parece encolher. Não nos sentimos às vezes retratados nesse profeta angustiado, deprimido e desencantado da vida, que pede a Deus que acabe com sua vida? No entanto, o que faz Deus ante a angustia do ser humano? Alimenta sua esperança, nos diz o salmista: “Este infeliz gritou a Deus, e foi ouvido, e o Senhor o libertou de toda angustia”. (Sl 33)
O pão que Deus dá ao profeta tira-o primeiramente de sua angustia e de sua depressão, e logo lhe dá forças extraordinárias para caminhar. Esse pão do céu que fortificou Elias é prefiguração do pão que é o próprio Jesus: “Eu sou o pão vivo descido do céu. Quem comer deste pão viverá eternamente. E o pão que eu darei é a minha carne dada para a vida do mundo”. (cf. Jo 6,41-51)
É tal a força desse pão divino que pode mudar radicalmente o ser humano. Esse pão da vida infunde tal vigor na alma que vence toda amargura e qualquer classe de maldade. Esse pão do céu tem sustentado e dado força a milhões de milhões de seres humanos no transcurso dos séculos. A Eucaristia não só é o centro de todos os sacramentos e da própria vida cristã, mas também a maior força do cristianismo.
Jesus é “o pão vivo, descido do céu”; quer dizer, o pão que dá a vida nova, cujo poder realizou maravilhas nos primeiros cristãos que se reuniam semanalmente para a fração do pão. Fortalecidos com esse alimento celestial difundiram o Evangelho de Jesus Cristo em todos os recantos do império romano, se esforçaram por viver uma vida moral que chamava atenção dos pagãos, estiveram dispostos a sofrer perseguições e inclusive o martírio.
A Eucaristia é o pão do caminho, ela é a nossa energia. É o Pão do Céu na terra. Também nós nos esgotamos, temos medos, angustias. Perplexos, às vezes, para trás não podemos voltar, para frente parece que só nos espera o “deserto”. As “seguranças” que tínhamos vão se perdendo ou se perderam, nosso compromisso cristão nos pode pesar, nestes momentos, nossa vida cristã que começou num dia luminoso se converte para nós em rotina. Sentimos então um sentimento de fracasso e de perda de tempo que nos assombra. Este é o momento de uma refontização de nossa fé.
Quando no nosso coração habita Jesus Cristo, fazendo-nos partícipes de sua própria vida divina mediante o pão da Eucaristia, então “já não sou eu quem vive, é Cristo quem vive em mim.” (Gl 2,20)
São Cirilo de Jerusalém (séc. IV) afirma que, por meio da Eucaristia, “nós nos tornamos concorpóreos e consanguíneos com Cristo”. Jesus vive em nós, e nós nele, em uma espécie de “simbiose” mística: Ele vive em mim, permanece em mim, age por meio de mim.
Jesus diz que o pão é Ele mesmo. É a sua pessoa que deve ser comida, que deve ser assimilada. É a sua existência, doada em favor da humanidade que deve se tornar a nossa. O verdadeiro sentido de comungar o Corpo de Cristo quer dizer aceitar identificar-se com Ele. Significa oferecer-lhe a nossa pessoa, para que Ele possa continuar a viver, a sofrer, a doar-se a ressuscitar em nós. Esta transformação da própria pessoa na pessoa de Jesus não acontece de forma mágica. Para isto acontecer é preciso que a Eucaristia produza resultados, a Eucaristia deve ser recebida com a disposição de se deixar transformar, um pouco de cada vez, na pessoa de Jesus. Deixar que a sua “carne” transpareça na nossa, de uma forma sempre mais luminosa. É como se aceitássemos que Jesus se encarnasse em nós. Após a comunhão, quem nos vê, quem analisa as nossas ações, quem contempla o nosso semblante deveria reconhecer em nós Jesus, que continua amando, agindo, falando, ensinando.
Por outro lado, o pão que dá vida de Cristo ao que tem fé, é também o pão que faz viver. Faz viver a pessoa desanimada, infundindo-lhe razões para viver; faz viver a pessoa desorientada, dando-lhe horizontes de futuro e esperança; faz viver a pessoa deprimida endereçando seus passos pelo caminho do amor para ser como Jesus um pedaço de pão para seus irmãos e irmãs; faz viver a pessoa desesperada da vida, mostrando-lhe que é belo entregar-se a Deus e aos outros, como Jesus Cristo, como oblação.
Esse pão divino nos dá a vida, nos faz viver e nos ensina a arte de viver. Arte que consiste em ser grão de trigo que morre, revive, se converte em espiga, é moído para chegar a ser farinha, é amassado e posto no fogo para converter-se em pão dourado para saciar a fome de Deus que tem a humanidade.
Padre José Assis Pereira
* Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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