Quem quer ser o primeiro?

Publicado em 27 de setembro de 2015

Jesus mais uma vez nos reúne e senta-se conosco, como outrora com seus discípulos em Cafarnaum, e nos ensina como o fez naquele dia: “Se alguém quiser ser o primeiro, que seja o último de todos e aquele que serve a todos!… Em seguida, pegou uma criança, coloco-a no meio deles, e abraçando-a disse: ‘Quem acolher em meu nome uma destas crianças, é a mim que estará acolhendo’”. (cf. Mc 9,29-37)
Um ensinamento e uma imagem para dizer quem é o maior no Reino de Deus. Poucas cenas evangélicas são mais simples do que esta e mais carregadas de significado, pois “os discípulos estavam discutindo entre eles quem era o maior”.
Nós estamos também entre aqueles que no caminho, no seguimento de Jesus, isto é, na vida discutimos entre nós quem é o maior? Quem é o primeiro? Nós fomos formados nas escolas ou na família para sermos os melhores alunos no estudo, nos jogos e competições e no comportamento, o primeiro lugar.
Como se pode conciliar e harmonizar estas duas exortações? Na alma queremos ser os primeiros, é um desejo inato, e isto não é um desejo intrinsecamente mau; no fundo ele coincide com o desejo de “ser”, de valorizar a própria existência, de subir, de crescer… Afinal isso fez o ser humano progredir, e o evangelho não nos ensina a vivermos na inércia e passividade. “Se alguém quer ser o primeiro”, portanto, é licito querer ser o primeiro, querer ser grande! O que Jesus muda radicalmente é o motivo deste desejo e, portanto, também o modo de o realizar: “seja o último de todos”.
Para que as palavras de Jesus nos entusiasmem temos que superar o modo de pensar humano, a forma que fomos educados, para pensar como Deus. O exemplo que o Senhor propõe é dos mais simples de entender. O Evangelho não é um livro que nos ensina regras e normas da boa conduta social. A proposta de Jesus se resolve teologicamente, não considerando uma só frase, mas sim tomando o exemplo de Jesus. Ele mesmo escolheu o último lugar.
Na última ceia conforme o Evangelho de João (cf. Jo 13, 1-15) Jesus, Deus presente entre os homens, indiscutivelmente superior, lavou os pés dos seus discípulos. Com plena consciência de sua identidade e com absoluta liberdade.
O lava-pés era serviço que se prestava para demonstrar acolhida e hospitalidade. Jesus adota a postura de um escravo não judeu ou uma mulher, a esposa a seu marido, os filhos e filhas ao pai ou do próprio dono da casa lavando os pés de um convidado muito importante.
Não pede ajuda, ele mesmo vai executando cada uma das ações; põe-se a lavar os pés dos seus discípulos. Jesus é o Senhor por definição, mas, ao lavar os pés dos seus, fazendo-se seu servidor, dá também a eles a categoria de senhor. O seu serviço visa, portanto, dar a liberdade e assim criar a igualdade, eliminando toda hierarquia. Na sociedade que ele funda, cada um há de ser livre; são todos senhores por serem todos servidores; o amor produz a liberdade e nivela a todos.
Ao final do lava-pés Jesus pergunta: “Vocês compreenderam o que eu vos fiz? Vós me chamais de Mestre e Senhor e dizeis bem… Dei-vos o exemplo para que, como eu vos fiz, também vós o façais”. Com esse gesto Jesus dá um golpe mortal na ideia que as pessoas fazem da autoridade, do poder e do governo.
A verdadeira autoridade não está em se sobrepor aos outros, oprimindo-os; na afirmação de si mesmo, do seu “eu”, reduzindo os outros a seus servidores; está em “ser primeiro para os outros”, o primeiro que serve, o primeiro que se dá, que ama por primeiro, que coloca o que tem e o que é a serviço dos outros. E Jesus fez assim: “Eu estou no meio de vós, como aquele que serve”. (Lc 22,27) Aí está a mística da presidência e da autoridade na Igreja.
Por Isso o beato francês Charles de Foucauld (1858-1916) dizia, entre um tom engraçado e sério, que ele escolhia o “penúltimo lugar”, porque o último já estava ocupado por Jesus. Ele escolheu realmente o ultimo lugar. Jesus o Filho de Deus, isto é o primeiro, se fez servo, assumiu o lugar social do escravo, isto é, o último lugar (cf. Fl 2,6-7).
Na imagem de hoje, Jesus se identifica com uma criança, mais uma vez Ele revela a sua relação de acolhimento, de carinho e de solidariedade com os pequeninos, os desprezados e os marginalizados. E aqui novamente os pontos de vista são contrapostos: ser o mais importante (critério humano) ou prestar atenção a uma criança, é o que propõe o Senhor?
A criança é algo sem relevância; representa o que não conta, quer dizer, o que ninguém toma em consideração, por ser insignificante. Aqui está representada nesta categoria todas as pessoas necessitadas que devem ser amadas, acolhidas, cuidadas e protegidas pelas comunidades cristãs em nome de Jesus.
Para agir desse modo, é necessário que cada cristão abandone as aspirações de “ser o maior” e se torne “servidor” dos pequenos. Assuma o caminho da “infância espiritual”, torne-se como criança: “Se não vos transformardes e vos tornardes como crianças, não entrareis no Reino dos Céus.” (Mt 18,3) Na criança tudo é gratuidade. Assim, quem ama os pequeninos está amando o próprio Jesus, e também o Pai que o enviou.
Quando se escuta um ensinamento como este do evangelho de hoje, parece que Jesus nos pede uma coisa impossível ou utópica. Ou, que só pessoas muito especiais podem realizar. Porque a vida que nos rodeia parece que nada tem a ver com o que Jesus nos diz.
Não é fácil assumir a humildade em um mundo que busca a distinção, o destaque, o êxito, o sucesso; que força a competição. E, inclusive, bem pode pensar-se que nem mesmo a Igreja é capaz de seguir os conselhos de Jesus. Pois muitas vezes internamente se vive este clima de ambição, de poder e de disputa pelos primeiros lugares.
Quem pode aceitar que não deve ser o primeiro quando sempre se tem ensinado que tem de sê-lo? Ou como pode tornar-se servidor se os grandes, poderosos e importantes de verdade são aqueles que, de uma maneira ou de outra, teem muita gente ao seu serviço?
E, enfim, ser como crianças, parece uma insanidade, ou ao menos, algo impossível, pois uns homens e mulheres já feitos, não podem adotar o papel de crianças: seria grotesco.
Corremos, então, o perigo de não aceitar o que Jesus disse, tendo-o, somente, como uma referência histórica, muito bela, muito poética, mas utópica, fora da realidade. Algo assim como a famosa comparação dos lírios dos campos com as roupas dos ricos daquele tempo. Mas, se isso é assim em nós que nos chamamos fieis, se seguimos nossa vida sem nos aprofundar no que Jesus nos disse, e queremos seguir vivendo dentro da fé cristã, assumimos um claro e descarado farisaísmo.
É certo que existem dificuldades para cumprir tudo o que o Senhor disse hoje. Mas a questão está em aceitá-lo ainda que nos pareça utópico e nos por no caminho do seguimento com humildade e desejos de ser, no meio da comunidade, como uma criança, sem pretensões de grandeza, nem desejo de honras ou privilégios, ser simplesmente um irmão de todos, servidor de todos; e que todos juntos formemos a Igreja dos humildes, dos menores, dos que buscam sempre os últimos.

Padre José Assis Pereira Soares é pároco da Paróquia Nossa Senhora de Fátima, no bairro da Palmeira.

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