Certeza

Publicado em 11 de março de 2018

certezaDa vida deles todos cuidavam:
“Vocês vão mesmo namorar? Mas são tão diferentes, nada em vocês parece combinar. Têm certeza mesmo?”
Parece que, a partir do momento que decidiram começar um relacionamento que ia além da amizade, todos os olhares se voltaram a eles.
Uma agonia.
Patrulhas surgiram onde quer que estivessem.
Parecia que as pessoas se dividiam entre torcer para que desse certo ou para que terminasse o mais rápido possível.
E eles, tranquilos, seguiam suas vidinhas, indiferente a tudo e todos.
Agradeciam a quem por eles torcia.
Ignoravam solenemente a quem colocava gosto ruim às decisões que tomavam dia a dia.
Até que um dia…
“Vocês vão mesmo namorar de longe? Como assim? Ele vai se mudar para o outro lado do mundo e, mesmo assim, vocês vão continuar esse namoro? Não seria melhor terminar? Não seria melhor que vocês se casassem de uma vez?”
Em cada lugar a que chegavam, alguém dava uma opinião diferente.
Todos já tinham decidido o que era melhor para a vida do casal: terminar e fazer de conta que aquele amor jamais existira, diziam alguns. Casar e começar logo a vida a dois, diziam outros.
Eles sorriam em silêncio, davam-se as mãos e se retiravam.
Até que o dia da despedida chegou.
Ele iria para o outro lado do mundo.
Mas combinara com Ela tudo direitinho.
Cada um dos passos que dariam enquanto separados estivessem já estava acertado.
Quando se veriam, como fariam para se comunicar, quando, enfim, juntos estariam novamente.
Tudo combinado.
Inclusive o acordo do silêncio:
“Amor, todos nos dão tantos conselhos, sei que são bem-intencionados, afinal são nossos amigos, querem o nosso melhor. Mesmo assim, não compreenderam o que de fato desejamos. Por isso, vamos ficar em silêncio. Não vamos contar nossos planos a ninguém.”
Combinaram assim e lá se foi o moço.
Naquela época não era assim tão fácil a comunicação, não existia a chance de se falarem a cada instante, a cada passo que davam.
As letras marcadas no papel demoravam semanas para ir e vir.
Tudo era mais lento, mais demorado, mais romântico, mais sofrido até.
Quando uma correspondência chegava, era imediatamente respondida e postada.
Quem amava fazia sua parte quase de maneira instantânea, mas tinham os motivos externos que eram muitos…
As cartas passavam por muitas mãos, durante muitos dias, muitos lugares, continentes, até que conseguiam chegar ao destino.
E algumas vezes, nem chegavam.
Algumas vezes, a rota para elas imaginada era interrompida ainda no começo do caminho: caiam em algum lugar sem que fossem vistas, misturavam-se com aqueles que iam para outro destino, eram perdidas e nunca mais encontradas…
Quem as esperava sofria, lamentava…
Mas sabia, tinha certeza de que não chegara porque se perdera, não porque não fora enviada.
E cada uma que conseguia passar por todos os obstáculos com sucesso era grandemente comemorada, lá e cá.
Os telefonemas tinham dia e hora certos para acontecer.
Eram aos domingos, no começo da noite.
Nesse dia e hora, todos eram carinhosamente conduzidos para longe da sala onde ficava o telefone e a moça, que cá estava, podia conversar com seu amado por 15 preciosos minutos.
E, assim, com o passar dos dias e a rotina de comunicação estabelecida, a vida continuou com tranquilidade.
Tranquilidade parcial.
As pessoas, aquelas mesmas pessoas que falavam no começo do namoro que tinham opinião formada, quando ficaram sabendo que ele iria embora, todas elas tinham o que falar cada vez que a encontravam:
“Tem certeza que ele volta? Olha lá, vai ver você tá aí perdendo o seu tempo. Lá deve ter tantas mulheres interessantes. Vai ver, a essa hora, ele já arrumou outra e te esqueceu. Por que você não dá uma chance àquele Rapaz. Ele sempre gostou de você.”
Ela sorria, suspirava fundo e falava:
– Nós temos um combinado, no tempo certo, nos reencontraremos.
Quem tentava “abrir seus olhos”, algumas vezes, ficava sem graça com tamanha obstinação e se afastava, outras continuavam tentando e acabavam ouvindo:
– Você está sendo inconveniente. Por favor, pare.
A pressão sobre quem fica é sempre muito grande e, por mais que Ela fosse fina e educada, algumas vezes, tinha que se impor com mais veemência.
No mês em que fez um ano que ele fora, em uma reunião de família, uma tia que não a via há meses, chegou perto dela sem a menor cerimônia:
“E aí? Vai ficar fazendo esse tipinho de mocinha abandonada até quando? Você sabe que esse cara foi para o outro lado do mundo e, a essa hora, deve estar se divertindo horrores com todos os tipos de mulheres enquanto você está aqui feito um arbusto seco e abandonado: sozinha. Diz pra mim: até quando vai ficar assim?”
Nesse dia, ela não estava para brincadeira, no mesmo tom que a tia falou, ela respondeu:
– Arbusto seco e abandonado? A senhora está me confundindo com quem? Eu sei muito bem quem ele é, sei o que combinamos, conheço o que sinto por ele e o que ele sente por mim. Não estou fazendo “tipinho de mocinha abandonada” não! Fiz um combinado com meu namorado e estou cumprindo minha parte no trato assim como sei que ele, que é um homem sério e de palavra, está cumprindo a parte dele. Quanto à senhora, por favor, nunca mais se refira a mim desse jeito nem queira saber o que se passa na minha vida. Com a sua licença.
E foi embora.
As pessoas são muito cruéis e têm a horrível mania de desqualificar o amor que não conhecem, nunca conheceram e, muitas vezes, nunca conhecerão.
O tempo, que, nesse caso, muitas vezes, não funciona como aliado, foi passando indiferente a tudo e todos.
As pressões sobre Ela diminuíram por um tempo, ao menos no núcleo familiar, depois daquele espalho que ela deu na tia.
Mas foi só por um tempo, depois voltou com tudo.
Mas um dia as coisas começaram a mudar: a moça, que, apesar de toda a sua confiança, por vezes, aparecia triste era só sorrisos.
Não dizia nada a ninguém, pois esse era o combinado, mas seu comportamento estava estranhamente diferente.
E, um dia, sem alarde ou grande festa, Ele chegou.
De mansinho, em silêncio, a surpreendeu realizando suas atividades de sempre, mas o esperando como fazia todos os dias.
As pessoas, que opinavam e davam pitacos mil, ficaram admiradas ao verem que aquele casal tão novinho teve a firmeza de seguirem o propósito e compromisso que tinham feito.
Seus planos, feitos em silêncio, foram concretizados e, hoje, eles vivem juntos e felizes lá do outro lado do mundo.
E de quem falava mal, colocava gosto ruim, é possível ouvir de quando em vez:
“Sempre torci por eles. Sempre soube que seriam muito felizes juntos. Dei a maior força quando Ela ficou aqui sozinha, tinha certeza que esse amor seria para a vida inteira.”
Sei, sei…
Vivi Antunes é ajuntadora de letrinhas e assim o faz às segundas, quartas e sextas no www.viviantunes.com.br

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