Furto de armas do Exército: investigação indica que militares desligaram câmeras e usaram carro oficial de diretor do quartel

Publicado em 27 de outubro de 2023

Suspeita é de que crime teria ocorrido no início do feriado da Independência do Brasil, em 7 de setembro. Um cabo, motorista do então diretor, é suspeito de ter utilizado o veículo militar para retirar as armas. g1 e a TV Globo apuraram que peritos do Exército encontraram impressões digitais de militares em alguns quadros de energia e na sala de armas.
Um cabo é suspeito de transportar as 21 metralhadoras furtadas do Arsenal de Guerra de São Paulo (AGSP), em Barueri, na região metropolitana do estado. A reportagem apurou que o Exército investiga se ele usou um carro oficial do então diretor do quartel para retirar as armas do local e levá-las para fora, onde seriam negociadas com facções criminosas.
Também é investigada a suspeita de que o crime possa ter ocorrido no início do feriado da Independência do Brasil, em 7 de setembro, quando a energia elétrica foi cortada intencionalmente, causando um “apagão” que desligou as câmeras de segurança da base militar.
A energia foi religada automaticamente depois do furto. Um dos cadeados que trancava a porta foi rompido e trocado por outro. O lacre da inspeção, que fica junto com o cadeado, também teria sido adulterado para tentar enganar a fiscalização.
O g1 e a TV Globo apuraram que peritos do Exército encontraram impressões digitais de militares do quartel em quadros de energia e na sala de armas.
Apesar de ter suas as impressões digitais encontradas na sala de armas, o cabo não tinha autorização para entrar no lugar. Sua “missão” se restringia a atuar como motorista do tenente-coronel Batista, que havia assumido a direção do quartel em março de 2023. O motorista militar já estava trabalhando nessa função desde a época do diretor anterior. Os investigadores suspeitam que ele tenha se aproveitado do livre acesso que tinha ao quartel, como homem de confiança do então diretor da unidade.
A última inspeção na sala de armas havia sido em 6 de setembro. Os militares só conferiram se a porta permanecia lacrada 33 dias depois, em 10 de outubro, quando um subtenente viu sinais de arrombamento e percebeu que o lacre tinha sido trocado e constatou o desaparecimento de 13 metralhadoras antiaéreas calibre .50 e de oito metralhadoras calibre 7,62.
Segundo o Exército, as armas, fabricadas entre 1960 e 1990, são “inservíveis”, ou seja, não estariam funcionando perfeitamente, passariam por manutenção e seriam avaliadas. Possivelmente seriam destruídas ou inutilizadas já que recuperá-las teria um alto custo.
Até a última atualização desta reportagem, 17 das metralhadoras foram recuperadas na semana passada em operações conjuntas do Exército e das polícias do Rio de Janeiro e de São Paulo. Outras quatro armas, todas .50, ainda são procuradas.

7 suspeitos
Além do cabo, mais seis militares são investigados como suspeitos de participarem diretamente do maior desvio de armas da história do Exército brasileiro. O cabo era motorista pessoal do então diretor do AGSP, o tenente-coronel Rivelino Barata de Sousa Batista, que foi exonerado do cargo pelo Exército após o desaparecimento das metralhadoras. Em seu lugar, assumiu o novo diretor, o coronel Mário Victor Vargas Júnior, que comandará a base em Barueri.
Batista não é investigado no Inquérito Policial Militar (IPM) conduzido por um oficial do Comando Militar do Sudeste (CMSE). O tenente-coronel continua na ativa, mas será transferido para outra unidade militar ainda não divulgada. Ele não foi localizado para comentar o assunto até a última atualização desta reportagem.
No grupo dos sete militares investigados tem as patentes de soldado, cabo, sargento e tenente. O CMSE quer usar as informações das quebras dos sigilos bancários, telefônicos e das redes sociais autorizadas pela Justiça para levantar mais provas do envolvimento deles no sumiço das metralhadoras.
E também tentar descobrir quais tinham contatos com o crime organizado para negociar a venda. As armas iriam para o Comando Vermelho (CV), no Rio, e o Primeiro Comando da Capital (PCC), em São Paulo.

Como retiraram as armas?
A principal linha da investigação sugere que o cabo levou a viatura oficial do então diretor do Arsenal de Guerra, possivelmente uma caminhonete branca com brasão do Exército, até o armazém das armas sem levantar suspeitas. Militares que acompanham o inquérito reconhecem que o veículo dificilmente é revistado por alguém quando entra ou sai da unidade.
Por essa hipótese, o cabo dirigiu o veículo sozinho ao sair do Arsenal de Guerra quando a maioria dos oficiais estava fora do quartel por causa das festividades do 7 de Setembro. Eles foram para outras unidades militares participar de desfiles.
Os investigadores avaliam que os indícios reunidos até o momento seriam suficientes para pedir à Justiça Militar a prisão dos sete investigados por suspeita de terem cometido os seguintes crimes militares: furto, peculato, receptação e extravio. O pedido ainda não foi feito.
A solicitação irá antes para análise do Ministério Público Militar (MPM). Procurado para comentar o assunto, o órgão informou, por meio de sua assessoria de imprensa, que o órgão não passaria “informações sobre as investigações e o trâmite processual”.
Desse grupo de sete militares, três deles seriam os responsáveis pelo furto, de acordo com a investigação: um teria aberto a sala de armas, outro pegou as metralhadoras e um terceiro transportou o material em um veículo militar para fora do quartel. Os investigadores ainda apuram se as armas foram desviadas todas de uma vez num só dia ou em outras datas.
Aqueles que tiveram envolvimento direto ou colaboraram intencionalmente com o desaparecimento das metralhadoras (seja pela invasão do galpão onde estavam as armas, até a retirada e transporte delas) podem ser punidos criminalmente pela Justiça Militar. Se forem condenados, as penas vão de 1 ano a quase 30 anos de prisão, se somadas.
Mais 20 militares são investigados pelo Exército por participação indireta no sumiço das armas por terem falhado na fiscalização e segurança do Arsenal de Guerra. Essa apuração é feita exclusivamente pelo Comando Militar do Sudeste. Se eles forem punidos poderão receber penas administrativas que vão da advertência, impedimento disciplinar, repreensão, detenção disciplinar, e prisão disciplinar por até 30 dias.
De 10 de outubro a 24 de outubro, o Exército manteve a tropa ou parte dela “aquartelada” no quartel por causa do furto das armas. No início, foram 480 militares impedidos de deixar a unidade. Eles tiveram inclusive seus telefones confiscados. Todos foram ouvidos pela investigação para ajudar na localização das armas. Depois esse número foi reduzido a 160, e nos dias seguintes a 40.
Dentro desse grupo último grupo proibido de ir para casa estavam os sete militares investigados, de acordo com o Exército. Os suspeitos foram “soltos” na última terça (24), quando o Exército pôs fim ao “aquartelamento”.
Até a última atualização desta reportagem, nenhum militar investigado pelo sumiço das metralhadoras havia sido punido. Quem for preso poderá ir para o 2º Batalhão de Polícia do Exército, que fica em Osasco. Após a prisão é possível que ocorra um processo de expulsão deles da instituição.
Também nesta terça, o Exército recolheu, na delegacia de Carapicuíba, na Grande São Paulo, as nove armas (cinco .50 e quatro 7,62) encontradas pela Polícia Civil em São Roque, no interior paulista. Elas foram para o 8º Batalhão de Polícia do Exército, na capital paulista. O armamento estava num lamaçal da cidade. Dois criminosos que tomavam conta das armas trocaram tiros com a polícia e fugiram. Ninguém foi preso ou ferido.
As oito armas (quatro .50 e quatro 7,62) achadas pela Polícia Civil no Rio ainda não foram devolvidas ao CMSE em São Paulo. Elas haviam sido abandonadas dentro de um carro.
Segundo o Instituto Sou da Paz, o furto das 21 metralhadoras é o maior desvio de armas já registrado no Exército brasileiro desde 2009, quando sete fuzis foram roubados em um batalhão em Caçapava, no interior de São Paulo.

G1

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