Senado da Argentina rejeita ‘decretaço’ apresentado por Milei. É a segunda derrota do presidente

Publicado em 15 de março de 2024

 

O Senado argentino rejeitou o “decretaço” do presidente Javier Milei nesta quinta-feira (14), a segunda derrota do governo no Congresso.
Agora, o Decreto Nacional de Urgência (DNU) de Milei, apelidado de “decretaço”, vai para a Câmara dos Deputados. Para que o texto seja derrubado, é necessário que ambas as casas do Congresso argentino o rejeitem. Enquanto isso não acontecer, o DNU continua valendo, porque funciona como uma medida provisória. Essa é a primeira vez que um DNU de um presidente ainda no posto é rejeitado.
Após uma sessão que durou mais de sete horas e com falas dos senadores, o resultado da votação foi o seguinte:

• 42 votos contrários;
• 25 votos favoráveis
• 4 abstenções

Esta é a segunda grande derrota do governo de Javier Milei no Congresso argentino. Em fevereiro, seu partido teve que retirar a lei “ómbinus” de pauta na Câmara dos Deputados após a rejeição de partes importantes do texto pelos deputados (leia abaixo qual é a diferença entre a lei “ómnibus” e o “decretaço”).
Milei não queria que acontecesse a votação do decretaço, convocada pela vice-presidente Victoria Villaruel, que também é presidente do Senado.

Acordo ou confronto
O gabinete de governo publicou uma nota na rede social X (novo nome do Twitter) após a rejeição do DNU. O texto lembra um discurso de Milei para os legisladores: “O presidente apresentou duas alternativas, o acordo ou o confronto. Chegou o momento da classe politica decidir de que lado da história quer ficar”.
A nota faz menção a uma tentativa de um acordo que Milei pretende firmar com as outras forças do país chamado Pacto de Maio, e afirma que a derrota do “decretaço” no Senado “atenta contra a convocatória do presidente”.
Além disso, cita que os governos anteriores conseguiram passar quase 500 DNUs.

Votação do DNU no Senado
O Decreto de Necessidade e Urgência (DNU ou “decretaço”), votado no Senado argentino nesta quinta-feira (14), uma medida provisória com mais de 600 artigos e diversas reformas econômicas que flexibiliza o mercado de trabalho e abre caminho a privatizações.
Milei era contra a votação do “decretaço” no Senado nesta quinta. Isso porque o decreto vigorará até que seja votado no Legislativo, e avaliação do governo era mesmo a de que os senadores não iriam aprovar –o que realmente aconteceu. Por isso, o presidente queria prolongar ao máximo o início da votação da medida provisória.
No entanto, a vice de Milei, Victoria Villaruel, que também é presidente do Senado, ignorou os apelos do presidente argentino e colocou a votação em pauta, aumentando as tensões entre os dois.
Na quarta-feira (14), em uma publicação na rede social X, sem citar o nome da vice, o gabinete da Presidência divulgou um comunicado com diversas indiretas à Villarruel:
“Alguns setores da classe política pretendem avançar com uma agenda própria e não consultada” e agradece aos legisladores “que não se prestam ao jogo perverso daqueles que deliberadamente entorpecem o desenvolvimento da nação”, disse a nota do governo.
Na Argentina, o vice-presidente concorre na mesma chapa do presidente, como no Brasil, mas lá, uma vez eleito, também assume a função de presidente do Senado. Por isso, Villarruel tem um papel importante na articulação política das votações no Congresso.
Nesta quinta, o porta-voz da presidência, Manuel Ardoni, negou que o comunicado tenha sido uma indireta à vice-presidente. “O comunicado é muito firme, mas é dirigido à toda a classe política. Desconhecemos porque se fez uma leitura errada como uma mensagem à vice-presidente da nação”, declarou.
A estratégia de Milei era tentar negociar com os governadores, que têm poder para influenciar os legisladores, antes de colocar a medida em votação.
Os senadores de oposição estavam pressionando a Casa para colocar o “decretaço” em discussão. Villarruel, a vice, até tentou prorrogar discutir a medida por uma semana, mas ela não conseguiu e a sessão ficou marcada para estar quarta-feira (14), às 11h de Buenos Aires (é o mesmo horário de Brasília).
Na noite de quarta-feira, quando se soube que o “decretaço” será pauta do Senado, o governo divulgou uma nota na rede social X (Twitter) com recados para Villarruel.

Apesar de o texto não citar o nome dela, há duas citações indiretas:
• Logo no começo, fala-se que o gabinete de governo “expressa sua preocupação com a decisão unilateral de alguns setores da classe política que pretendem avançar com uma agenda própria e não consultada”.
• Já no penúltimo parágrafo, afirma-se que “o presidente agradece aos legisladores comprometidos com os interesses da pátria e com o caminho da mudança e não se prestam ao jogo perverso daqueles que deliberadamente entorpecem o desenvolvimento da nação”.
A diferença entre o ‘Decretaço’ e a lei ‘ómnibus’
Em 20 de dezembro, poucos dias depois de assumir o cargo de presidente, Milei anunciou o Decreto de Necessidade e Urgência (DNU), que viabiliza a desregulação econômica do país.
O texto modifica ou revoga mais de 350 normas e está em vigor, embora possa ser derrubado pelo Congresso.

Entre outros pontos, o “decretaço”:
• Desregulamenta o serviço de internet via satélite e a medicina privada;
• Flexibiliza o mercado de trabalho;
• Altera regras de locação de imóveis e revoga uma série de leis nacionais;
• As medidas incluem também a conversão de diversas empresas estatais em sociedades anônimas, facilitando o processo de privatização dessas instituições.
Uma parte do “decretaço” que altera normas do direito do trabalho foi derrubada na Justiça. Houve diversas decisões de primeira instância e pelo menos uma de segunda instância que determinavam que o governo não poderia alterar regras trabalhistas no país sem uma lei aprovada pelo Legislativo.
A DNU (ou “decretaço”) é semelhante ao que no Brasil é conhecido como Medida Provisória: uma regra que o governo determina e que já passa a vigorar mesmo sem ser votada pelo Legislativo, mas que deve passar pelos deputados e senadores em algum momento, e que eles podem derrubar.
Já a lei “ómnibus” era um projeto de lei que o governo submeteu à aprovação do Congresso argentino.
Os dois textos tinham muitos artigos e propunham mudanças muito significativas no país.
O decretaço abordava mais questões do ordenamento econômico –por exemplo, havia uma reforma trabalhista, o fim de um Observatório de preços, novas regras para os aluguéis, abertura de mercado para produtos estrangeiros e privatizações.
O mais importante da lei “ómnibus” era relativo a uma concentração de poder no próprio Executivo, que teria mais liberdade para agir durante o governo Milei. O texto, que foi derrotado, também tratava de termos econômicos, mas eram mais questões internas de dinheiro dentro do governo –por exemplo, a distribuição do orçamento entre governo federal e províncias e as aposentadorias que o governo paga.

Foto: Agustin Marcarian/Reuters
G1

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