Uma Igreja samaritana

Publicado em 25 de julho de 2016

Neste “Ano da misericórdia” a famosa “parábola do samaritano” (cf. Lc 10,25-37), resumo de todo o evangelho, deve ter para nós hoje um significado e uma mensagem especial.
Quem era o samaritano? Os samaritanos eram desprezados pelos judeus, por causa de diversas situações históricas e tradições religiosas. Era um homem qualquer que descia de Jerusalém para Jericó. Naquela estrada um homem fora assaltado, espancado e abandonado por bandidos, quase morto, à beira do caminho.
Antes do samaritano passam, por aquela estrada, um sacerdote e um levita, isto é, duas pessoas religiosas ocupadas com o culto no Templo de Jerusalém. Veem aquele infeliz, quase morto, mas passam pelo outro lado, sem parar. Ao contrário o samaritano, quando viu aquele homem, “sentiu compaixão, aproximou-se dele e fez curativos, derramando óleo e vinho nas feridas. Depois colocou o homem em seu próprio animal e levou-o a uma pensão, onde cuidou dele” (vv. 33-35).
Diz o evangelho que aquele homem que aproximou-se, ocupou-se do homem ferido, cuidou dele, imitou a misericórdia de Deus. Jesus é o Bom Samaritano por excelência, saiu para a beira do caminho para recolher-nos aos que estávamos perdidos. Carregou-nos sobre seus ombros e pagou a moeda, o preço de seu próprio sangue por nós. Deus é misericordioso e sabe compreender as nossas misérias, as nossas dificuldades e até os nossos pecados. Jesus revelou-nos este rosto misericordioso do Pai.
O samaritano não era, para um judeu, um próximo. Etimologicamente, próximo é o que está perto de nós, ou por razões de parentesco, ou por amizade, ou por razões étnicas e culturais, ou ainda por afinidade de ideias e crenças. No mundo judeu, próximos eram, sobretudo, os judeus, os de sua própria raça e religião.
Por isso, a primeira coisa que devemos aprender nesta parábola é que, Jesus muda o conceito judaico de “próximo”. O que se portou como próximo foi o samaritano, que não era judeu; não se portou como próximo nem o sacerdote, nem o levita, que eram étnica, cultural e religiosamente judeus. Como podemos aplicar para nós, em estrito sentido cristão esta parábola do samaritano?
Um dos ensinamentos desta magnífica parábola é o perigo de anular com as leis religiosas os valores humanos mais essenciais. O sacerdote e o levita são muito observantes das leis religiosas, pertencem ao mundo respeitado da religião oficial de Jerusalém, mas são analfabetos em valores humanos. Os dois fecham os olhos e o coração para aquele homem que está na sarjeta, abandonado à sua própria sorte. Neste ferido, sem identidade, sem nome, Jesus resume a situação de tantas vitimas inocentes injustamente abandoadas nas sarjetas do mundo.
O samaritano nem pertence à religião do Templo, talvez é reprovado no cumprimento das leis religiosas e de culto, mas é excelente em valores humanos. Ele faz por aquele estranho tudo o que pode para resgatá-lo com vida e restaurar a sua dignidade.
Os papeis do sacerdote, do levita e do samaritano se podem repetir em nossas comunidades cristãs hoje. A Igreja, as pessoas e as comunidades têm de ser samaritana. A Igreja não pode fechar os olhos, no egoísmo e na indiferença em meio a tantas vitimas inocentes. Uma Igreja não samaritana seria uma Igreja muito cuidadosa com sua doutrina ou teoria religiosa e muito amante da liturgia e do culto, mas que, quando na vida se apresentam situações humanas comprometidas, dá uma volta, se refugia no templo, e ignora a compaixão. E pode haver pessoas que não fazem parte em nenhuma religião e são esplendidas em valores humanos.
Amar é uma decisão mais que um sentimento. “O amor nunca poderia ser uma palavra abstrata. Por sua própria natureza, é vida concreta: intenções, atitudes, comportamentos que se verificam na atividade de todos os dias” (Misericordiae Vultus). Amar é dedicação e entrega. Amar é um verbo que convida à ação.
O bom samaritano é o homem da ação, se aproxima daquele ferido, fez o que sabia e o que podia, e depois o levou à pousada. O pôs aos cuidados de pessoas que podiam ajudá-lo melhor que ele para que o ferido se recuperasse totalmente e além de cobrir as despesas, prometeu voltar para visitá-lo. Também nós, a primeira coisa que temos que fazer é aproximar-nos do irmão ferido, não para perguntar-nos se temos ou não alguma obrigação de ajudá-lo, mas para descobrirmos de perto que se trata de um necessitado que nos está chamando e cuidar dele.
A Igreja deve ser pousada, símbolo de todos os organismos ou pastorais que dão, e devem dar abrigo aos necessitados. A Igreja deve ser essa pousada, essa casa acolhedora, onde é possível reabilitar-se alguém. Nossa comunidade paroquial deve ser essa pousada aberta a todos, onde é possível encontrar a medicina material ou espiritual que o enfermo necessita.
A parábola do samaritano nos põe em relevo o que é o amor, a compaixão, a generosidade e a misericórdia para com o necessitado, valores humanos que têm que fazer parte dos seguidores de Jesus. Existe alguém, Jesus de Nazaré, que viveu de maneira plena esses valores por isso é a “cabeça deste corpo que é a Igreja” (Cl 1,18). A Igreja deve ser hoje a referência desses valores, “sacramento de salvação”, “Igreja samaritana”. Mas estes valores, por ser humanos, são também patrimônio de toda a humanidade.
Concluímos com as palavras do Papa Francisco na bula de convocação deste jubileu: “Neste Ano Santo, poderemos fazer a experiência de abrir o coração àqueles que vivem nas mais variadas periferias existenciais, que muitas vezes o mundo contemporâneo cria de forma dramática. Quantas situações de precariedade e sofrimento presentes no mundo atual! Quantas feridas gravadas na carne de muitos que já não têm voz, porque o seu grito foi esmorecendo e se apagou por causa da indiferença dos povos ricos. Neste jubileu a Igreja sentir-se-á chamada ainda mais a cuidar destas feridas, aliviá-las com o óleo da consolação, enfaixá-las com a misericórdia e tratá-las com a solidariedade e a atenção devidas. não nos deixemos cair na indiferença que humilha, na habituação que anestesia o espírito e impede de descobrir a novidade, no cinismo que destrói. Abramos os nossos olhos para ver as misérias do mundo, as feridas de tantos irmãos e irmãs privados da própria dignidade e sintamo-nos desafiados a escutar o seu grito de ajuda.” (Misericordiae vultus)

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